Os limites do ato médico


Perícia Criminal Odontológica – Ato do Cirurgião-Dentista

Desastres de Massa - Sugestões para um Itinerário Correto de Auxílios
Você queria ir no zoom de imagens, mas este capítulo não tem imagens.

Índice
Artigos

Perícia Criminal Odontológica – Ato do Cirurgião-Dentista    


"
Malthus Fonseca Galvão

       Com o monopólio estatal da violência e conseqüente substituição da vingança privada pela justiça, dentes não são mais “trocados” por dentes, assim como os olhos são considerados bens indisponíveis, tutelados pelo Estado.
      
       A sanção penal coíbe, em tese, ações que, conforme tipificadas, impossibilitariam o reinar da paz social. Entretanto, a proporcionalidade do castigo moderno frente às lesões corporais depende de uma acurada avaliação do dano ocorrido, enfim de uma perícia especializada. O olho perdido ou lesado, eventualmente já debilitado, ou sem função, precisa ser analisado por quem entende de olhos, para que a justiça se produza da forma mais eficiente possível, no sentido teleológico do legislador e, em última análise, do povo. Seria um médico a pessoa indicada? Melhor ainda um oftalmologista.
      
       E quando as lesões se assestam no aparelho estomatognático? Seria o Médico? Melhor que não! Médicos não entendem disso. Não foram preparados, não estudaram especificamente embriologia, anatomia, fisiopatologia ou terapêutica dentárias e por esta razão não estão habilitados legalmente a exercer a odontologia. A resposta é o Cirurgião-Dentista, diriam unanimemente os Conselhos Federais de Odontologia e de Medicina.
      
       Só o Cirurgião-Dentista pode satisfazer plenamente aos questionamentos advindos do Código Penal Brasileiro, mais especificamente de seu art. 129.
      
       Só o Cirurgião-Dentista seria capaz de dimensionar a lesão eventualmente ocorrida. O termo eventualmente aqui é aplicado, pois, muitas vezes, os sinais característicos da evolução da lesão demonstram uma incompatibilidade temporal, de intensidade ou natureza entre esta e o agente vulnerante. O médico seria capaz de distinguir uma fratura coronária recente de uma antiga? Seria capaz de estimar o incremento na debilidade no caso de uma patologia pré-existente? E no caso de uma concausa superveniente? Seria confiável seu prognóstico sabendo-se que muitas vezes ele sequer compreende o diagnóstico? Certamente que não.
      
       O magistrado forma sua convicção a partir dos elementos probatórios disponíveis, e dentre estes, a perícia é um dos mais importantes, pois é científica, inquestionável, impessoal, objetiva, reprodutível e atemporal. Seria razoável que o magistrado se lastreasse em uma perícia realizada por alguém que sequer habilitação legal na área tenha? Certamente que não. Quando o caso a ser analisado é de uma queda de uma marquise com uma conseqüente fratura craniana, cada um tem seu papel bem definido: o engenheiro analisa a marquise e o médico o ferido.
      
       As lesões a serem periciadas pelos Cirurgiões-Dentistas não se limitam ao aparelho estomatognático em si, mas se estendem por todo o corpo, nos casos de marcas de mordida em casos como atentado violento ao pudor, estupro ou simplesmente lesões corporais, onde a confrontação pode permitir identificar um suspeito ou, até mais importante, inocentar um já condenado. E também não se limitam ao corpo humano, como faz parecer o nome do exame: “exame de corpo de delito”, que pode ser realizado em objetos inanimados, como frutas, queijos, doces e outras guloseimas encontradas em local de crime.
      
       Estas são apenas algumas razões para que as perícias criminais, que não são facultativas, sejam realizadas por Cirurgiões-Dentistas, sempre que para sua eficiência e confiabilidade os conhecimentos específicos e habilitação exigíveis sejam odontológicos.
      
      
      

O cadáver conta sua própria história

      

      
       Cadáveres não falam pela linguagem verbal, intelegível a todos. Contam sua história por meio de sinais discretos, criptografados, que passam despercebidos àqueles que não estudaram a fundo esta linguagem. Aliás, para a maioria das pessoas um tubérculo de Carabelli nada representa, pois na verdade, nem identificado é.
      
       A maior, e muitas vezes a única, contribuição para a identificação de um cadáver cujas feições e cristas papilares digitais já esmaeceram é a análise criteriosa das arcadas dentárias. A partir destas, dispondo os peritos Cirurgiões-Dentistas de elementos comparativos como prontuários odontológicos, radiografias, modelos de gesso, próteses ou fotografias que evidenciam o sorriso é possível, em muitos casos, estabelecer a identidade de um indivíduo em minutos e praticamente sem custos. O exame de DNA em ossadas e carbonizados não oferece bons resultados. Quando estes elementos comparativos não estão disponíveis, ainda assim o Cirurgião-Dentista pode contribuir muito com o estabelecimento da identidade genérica do de cujus, estimando a idade, o sexo, o padrão do sorriso, a etnia e, principalmente a idade.
      
       A Polícia Civil do Distrito Federal se orgulha de ter identificado na última década inúmeros esqueletizados e carbonizados, alguns com repercussão nacional, com o auxílio do Cirurgião-Dentista que integrava o Laboratório de Antropologia Forense. Lembremos o caso do Cirurgião-Dentista que se precipitou com seu veículo no Lago Paranoá, próximo à Ponte do Braguetto, lá permanecendo por quase um mês, e que pode ser cientificamente identificado pelos conhecimentos de sua própria profissão. Lembremos os sucessivos casos nos quais as vítimas foram carbonizadas em porta-malas para impedir a identificação. A imprensa noticiou a eficiência do exame das arcadas dentárias e, aparentemente, este artifício criminoso teve sua incidência diminuída. Lembremos também da tragédia do avião da TAM em São Paulo e, mais recentemente, da ocorrida em New York, onde a cada corpo ainda hoje encontrado, os Cirurgiões-Dentistas desempenham essencial papel na identificação dos restos mortais. Assistamos o programa de televisão Detetives Médicos no canal Discovery Channel, no qual em quase todos os episódios, reais, encontramos uma equipe de Cirurgiões-Dentistas desvendando mistérios de forma científica e irrefutável.
      
       As famílias precisam enterrar seus mortos, este foi um dos marcos do início da civilização e do convívio social. Elas precisam de paz. Por outro lado, cadáveres não identificados impedem o desvendar de crimes, não norteam as investigações policiais, inviabilizam a prestação jurisdicional estatal, inviabilizam a justiça.

Incluído em 02/04/2002 02:09:27 - Alterado em 23/06/2022 13:13:41





Os limites do ato médico




Perícia Criminal Odontológica – Ato do Cirurgião-Dentista

Desastres de Massa - Sugestões para um Itinerário Correto de Auxílios


10594
dias on-line







Idealização, Programação e Manutenção:

Prof. Doutor Malthus Fonseca Galvão

http://lattes.cnpq.br/3546952790908357
Este site é monitorado, está em constante complementação e pode conter erros.

Para utilização acadêmica e científica do conteúdo deste site, siga os termos da licença:
CC BY-NC-SA 4.0


fale conoscoFale Conosco
0 - 0 -