O Código do Consumidor e suas implicações ético-legais no exercício médico


Princípios gerais da defesa do consumidor

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Princípios gerais da defesa do consumidor    


"
Neri Tadeu Camara Souza

           
  Existem princípios sobre a defesa do consumidor que estão
  descritos na Lei 8078, de 11.9.1990 – "Dispõe sobre a proteção do
  consumidor e dá outras providências
" - Código de Defesa do
  Consumidor
C.D.C. - em seu artigo 4º. Podem ser citados como:
  1- Vulnerabilidade, 2 – Dever do Estado, 3 – Harmonia, 4 – Educação, 5
  – Qualidade, 6 – Abuso, 7 – Serviço Público, 8 – Mercado.

       
  Estes princípios, como dito no "caput" do
  mesmo artigo 4º, visariam proporcionar "o atendimento das necessidades
  dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção
  de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como
  a transparência e harmonia das relações de consumo".

       
  1 – Vulnerabilidade – pressupõe que o
  consumidor é hipossuficiente. O protótipo do consumidor carente de proteção
  é a pessoa que, individualmente, não está em condições de fazer valer as
  suas exigências em relação aos produtos e serviços que adquire, pois tem
  como característica carecer de meios adequados para se relacionar com as
  empresas com quem contrata. É tamanha a desproporção entre os meios que
  dispõem as empresas e o consumidor normal, que este tem imensas dificuldades
  de fazer respeitar os seus direitos. Por esta descrição, fica evidente que
  uma atuação sistemática de tutelar os consumidores se faz necessária.

       
  Já dizia Adam Smith, em seu livro "Wealth of Nations",
  que a produção deve ser orientada para as necessidades do consumidor
  (demanda) e não ser voltada para a produção em si mesma (oferta). Mas, com
  o desenvolvimento tecnológico gerando métodos sofisticados de produção por
  parte das empresas, incluindo as transnacionais, acentuou-se a desproporção
  entre produtor e consumidor, ficando este numa situação de inferioridade
  maior devido à dificuldade de informações, inclusive, sobre como reivindicar
  seus direitos. Em caso de reivindicá-los, os meios de que dispõe são
  reduzidos face à força econômica dos produtores e fornecedores.

       
  Essa massa vulnerável de consumidores tem que ter o seu
  dinheiro valorizado quando gasto na aquisição de bens e serviços. Portanto,
  há necessidade do consumidor ser tutelado legalmente nesta relação. Por
  exemplo,atualmente, se adquirimos um aparelho de som fabricado por uma empresa
  do Japão, não há necessidade de irmos ao Japão ou contratarmos um advogado
  no Japão. Resolve-se o problema diretamente com o fornecedor, que reclamará
  do distribuidor, este do importador e este da empresa, fabricante do aparelho
  de som, que tem sua fábrica no Japão. Se, assim não fosse, ficaria
  evidenciada, ao extremo, a situação de inferioridade do consumidor.

       
  Mas os mecanismos de ressarcimento devem ser mais céleres.
  Há necessidade da efetiva execução de trocas, restituição com correção
  monetária do dinheiro e abatimentos proporcionais dos preços (artigo 18, §
  1º da Lei 8078/90), com isso visando equiparar as desigualdades (e a
  inferioridade do consumidor no mercado de consumo).

       
  2 – Dever do Estado – está bem expresso no
  artigo 5º, inciso XXXII, da Constituição Federal: "O Estado promoverá,
  na forma da lei, a defesa do consumidor". Portanto a Constituição
  Brasileira recepciona as leis que regrarem a defesa do consumidor, bem como
  dispõe que haja atuação estatal na defesa do consumidor, competindo,
  conforme reza o artigo 24 da Constituição Federal: "à União, aos
  Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: VIII -
  responsabilidade por dano (...), ao consumidor...". A Constituição
  Federal diz no artigo 150, § 5º: "A lei determinará medidas para que
  os consumidores sejam esclarecidos acerca dos impostos que incidam sobre
  mercadorias e serviços", e no artigo 175, § único, inciso II a mesma
  Constituição Federal estabelece que nas concessões e permissões do serviço
  público, a lei deverá dispor acerca "dos direitos dos usuários",
  que são os consumidores da prestação de serviços.

       
  O que se enfatiza, é a defesa do consumidor perante a
  atividade econômica, genericamente vista. À primeira vista esse princípio
  estaria sendo cumprido pois há lei federal (Código do Consumidor), leis
  estaduais, normas correlatas, BACEN (consórcios, financeiras, bancos), IRB,
  INMETRO, Conselhos Profissionais, exemplificando, que fiscalizam e disciplinam
  o relacionamento do consumidor perante a atividade econômica em geral. Parece
  haver uma atuação do Estado, só que esta não é eficiente e deixa muito a
  desejar na garantia dos direitos do consumidor.

       
  Há entidades que atuam, sob o ponto de vista
  extrajudicial, e, exemplificando, citamos: A – SISTECON/PROCON (nos estados
  e municípios), B – Ministério da Justiça (Secretaria dos Direitos Econômicos),
  C- DECON Polícia Civil (tem origem na Delegacia de Ordem Econômica, na Lei
  Delegada nº 4 – tem 30 anos), D – Ministério Público, E – Associações
  Comunitárias, F – Associações de Vítimas de Fornecedor Determinado.
  Estas agem quando solicitadas ou por iniciativa própria. Temos ainda o Poder
  Judiciário que age se provocado, como um meio judicial de defesa do
  consumidor.

       
  Existe o sistema no sentido de proteger efetivamente o
  consumidor mas, no momento atual, ele não age com a eficiência necessária.

       
  3 – Harmonia – para haver a harmonização dos
  interesses dos participantes das relações de consumo há necessidade de
  nivelá-los, tratando desigualmente os desiguais e assim alcançando o equilíbrio.
  Para que isso aconteça deve haver consciência de que há uma terceira força
  no mercado, além da indústria e do trabalho: o consumidor. Quando o
  consumidor passar a interferir no mercado, com repercussões sobre a produção
  tanto sob o ponto de vista da qualidade e quantidade como da necessidade, o
  mercado se tornará mais eficiente sem desperdício econômico. Mas a redução
  das desigualdades é condição " sine qua non" para a
  harmonização e equiparação entre consumidor e produtor. A força dos
  consumidores deve ser reconhecida e se fazer sentir no mercado. É a forma
  mais efetiva de alcançar um mercado harmônico, trabalhando no interesse de
  toda a população e não de uns poucos – sejam os fornecedores ou as
  poderosas multinacionais. Atualmente, não há nada preventivo, só policialesco.

       
  4 – Educação – já, em mensagem ao Congresso
  Americano, John Kennedy estabelecia que o consumidor tem o Direito de Informação.
  Esta informação não implica apenas nas informações sobre o produto ou
  serviço, igualmente necessárias, mas, também, quanto aos direitos e deveres
  enquanto consumidor. O consumidor deve saber como ressarcir-se, pois isto é
  importante para garantir justiça individual. Neste sentido as relações de
  consumo se modernizaram, a partir de 1990, no Brasil. Sob este aspecto estamos
  bem mais adiantados, em termos de legislação, do que nossos vizinhos
  Argentina, Paraguai e Uruguai. Além dos vícios redibitórios previstos no Código
  Civil Brasileiro desde 1916, há mecanismo ágeis, inclusive a inversão do ônus
  da prova, prevista no Código de Defesa do Consumidor, que permitem a este,
  desde que corretamente instruído sobre isso, uma atuação mais eficiente
  frente ao fornecedor ou produtor. O código de Defesa do Consumidor estendeu
  ao relacionamento do consumidor com os prestadores de serviços, as mesmas
  regras que previu para seu relacionamento com os produtores. E, nisto, inovou
  na legislação brasileira.

       
  O consumidor, pois, deve ser educado sobre seu próprio
  poder, frente aos produtores e prestadores de serviços, para equiparar-se à
  estes em seu relacionamento.

       
  5 – Qualidade – é o princípio que manda
  incentivar o desenvolvimento de meios eficientes de controle de qualidade e
  segurança de produtos e serviços. O produtor deve garantir que as
  mercadorias, além de uma performance adequada aos fins a que se destinam,
  tenham duração e confiabilidade.

       
  A própria ONU tem elaborado diretrizes que prevêm os
  direitos do consumidor no que toca à qualidade e segurança dos produtos. Um
  desempenho adequado destes é uma exigência inerente à sua existência,
  aliada à necessidade de durabilidade e confiabilidade dos produtos colocados
  à disposição do consumidor. A qualidade não deve se restringir apenas ao
  produto e serviço prestado mas, também, no atendimento ao consumidor pela
  colocação de mecanismos alternativos (viáveis e rápidos) na solução de
  conflitos que porventura surjam na relação de consumo.

       
  6 – Abuso – é o princípio que reprime abusos
  no mercado de consumo. O Código do Consumidor criou o Sistema Nacional de
  Defesa do Consumidor (SNDC), integrado pelos órgãos federais, estaduais, do
  Distrito Federal e municipais e as entidades de defesa do consumidor (artigo
  105 do C.D.C.). O Código de Defesa do Consumidor também instituiu a Convenção
  Coletiva de Consumo, para regular, por escrito, as relações de consumo. Em
  seu artigo 107, o C.D.C. prevê que " as entidades civis de consumidores,
  e as associações de fornecedores ou sindicatos de categoria econômica podem
  regular, por convenção escrita, relações de consumo... ". Estes dois,
  SNDC e Convenção Coletiva de Consumo, além dos demais existentes, e já
  descritos, colaboram e implementam a coibição e repressão necessárias
  contra os abusos praticados no mercado, pelo uso do poder econômico,
  "mistificações" de produtos que iludam sobre a qualidade o
  consumidor na sua boa-fé, utilização indevida de marcas e patentes, a
  utilização de propaganda enganosa ou constrangedora para determinados grupos
  etários, sociais ou econômicos e de cláusulas contratuais abusivas.

       
  7- Serviço Público – este princípio prevê a
  racionalização e melhoria dos serviços públicos. Em termos de serviço público
  a isonomia dos usuários é a mais absoluta possível. Qualquer pessoa do povo
  pode exigir a prestação correta do serviço público porque é uma obrigação
  da Administração Pública e um direito de qualquer pessoa. É, pois, um
  dever da Administração Pública, a prestação de serviços corretos,
  configurando-se esta obrigação do Estado, de bem servir, sem favor para
  qualquer pessoa, como um direito público subjetivo do povo. Deve haver uma
  igualdade no atendimento à população com um atendimento satisfatório,
  inclusive dos permissionários e concessionários. Estes, no atendimento à
  população, devem tomar todas as medidas que se fizerem necessárias, para
  agilizar a prestação dos serviços dos quais se incumbirem.

       
  8 – Mercado – este princípio propõe o estudo
  constante das modificações do mercado de consumo. Deve haver uma política
  que privilegie as necessidades de demanda e não as conveniências da oferta.
  Produtores e consumidores devem adotar um conjunto de decisões sobre o que
  produzir. A demanda deve ser privilegiada ao se analisar a produção e não
  se avaliar a necessidade de produção pelas conveniências da oferta. Este é
  um dos pontos importantes para uma justa relação de consumo, ou seja,
  satisfazer os interesses mais modestos de faixas menos privilegiadas
  economicamente da população e, com isso, trazendo-as ao mercado de consumo
  numa relação equânime. Estaremos, assim, tornando mais correta a aplicação
  de seu dinheiro em produtos de qualidade que estejam, realmente, necessitando
  adquirir e não, induzindo-as a consumirem produtos desnecessários, através
  de técnicas de "marketing" sedutoras e agressivas.

       
  A vulnerabilidade do consumidor decorre da sua hipossuficiência.
  É sempre o mais fraco. A necessidade de que o consumidor seja protegido é
  conseqüência do reconhecimento de que existe uma grande massa vulnerável.
  Esta massa é a imensa maioria das pessoas que ao realizar as atividades
  normais da vida cotidiana, principalmente aquelas de aquisição de bens e
  serviços, não estão em condições, por si mesmas, de conseguir qualidade e
  preços adequados. É importante, frise-se, atualizar constantemente as noções
  do que produzir, quanto, como e onde, conforme as necessidades sociais e não
  de acordo com as conveniências dos produtores. O entendimento e a aplicação,
  nas relações de consumo, dos princípios gerais da defesa do consumidor
  auxiliam para que se atinja estes objetivos.

Publicado no CD-ROM JURIS SÍNTESE
Editora Síntese, no n°27, de Jan/Fev de 2001


Advogado e Médico - Direito Médico
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Incluído em 30/09/2001 00:33:07 - Alterado em 20/06/2022 14:25:10





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