Tortura - Aspectos médico-legais


Contribuição da Odontologia Legal à Identificação Post-Mortem

Exame em DNA - Meio de prova

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Contribuição da Odontologia Legal à Identificação Post-Mortem    


Rogério Nogueira de OLIVEIRA

Através de uma revisão da literatura, procuramos demonstrar a indispensável, e vastíssima contribuição possível de ser fornecida pela Odontologia Legal nos processos de identificação humana post-mortem.

Resumo do Trabalho classificado em 1o colocado no Concurso
"Prêmio Acadêmica Profa. Anna Astrachan 1996"

Rogério Nogueira de OLIVEIRA** Eduardo DARUGE***
Luís Carlos Cavalcante GALVÃO****
Andrés José TUMANG*****

** Prof. Assistente Mestre do Departamento de Odontologia Social da Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo e Doutorando em Odontologia Legal e Deontologia da Faculdade de Odontologia de Piracicaba da Universidade Estadual de Campinas.
*** Prof. Titular de Odontologia Legal e Deontologia da FOP-UNICAMP
**** Prof. Adjunto de Medicina e Odontologia Legal da Universidade Federal da Bahia
***** Prof. Titular do Departamento de Odontologia da Universidade Estadual de Maringá


SINOPSE

       Através de uma revisão da literatura, procuramos demonstrar a indispensável, e vastíssima contribuição possível de ser fornecida pela Odontologia Legal nos processos de identificação humana post-mortem. O extenso campo de atuação da Odontologia Legal, fica evidenciado pelos inúmeros trabalhos nacionais e estrangeiros analisados. Abrangendo as mais diferentes áreas de estudo da identificação humana, desde os estudos mais usuais sobre os registros odontológicos e radiográficos, até estudos sobre traumatologia odonto legal, exames por superposição de imagens e técnicas de identificação através do DNA. Estas atividades são garantidas por Leis Federais Brasileiras ao profissional odonto-legista. Finalmente, ressaltamos a necessidade premente da Odontologia Legal se fazer presente nos Institutos Médico Legais Brasileiros, para juntamente com os demais profissionais destes Institutos, colaborar na identificação humana post-mortem, onde sabe-se que, inúmeras vezes, somente a Odontologia Legal será capaz de fornecer as respostas seguras a justiça.

UNITERMOS
: odontologia legal; identificação e post-mortem


ABSTRACT
:

       After a thorough search of the literature we have endereved to show Forensic Odontology is essential to post-mortem examination for the purpose of identification. The extensive range of Forensic Odontology is shown in numerous Brazilian and internacional journals and articles including odontological and radiographic records, studies on traumatology, superposed image examinations and DNA tests. These procedures are accepted as legal by Brazilian Federal Law. Finally, we wish to emphasize that the pratice of Forensic Odontology is urgently neded in "Institutos Médicos Legais Brasileiros" in order to help orther profissionals with post-mortem examinations by providing the Law within more realible results.

UNITERMS
: Forensic Odontology; identification and post-mortem



INTRODUÇÃO
:

       A identificação humana post-mortem é uma das grandes áreas de estudo e pesquisa da Odontologia Legal e da Medicina Legal. Pois ambas as ciências trabalham o mesmo material, o corpo humano, em vários estágios do processo morte: espostejados, dilacerados, carbonizados, macerados, putrefeitos, em esqueletização e esqueletizados, objetivando sempre o mesmo resultado, ou seja, estabelecer a identidade humana.

       A contribuição dada pela Odontologia Legal pode ser mensurada em inúmeros relatos científicos01,02,03,04,05,07,08,09,10,12,13,14,15,16,17,18,19,,22,23,,25, quantificado inclusive por aquelas pessoas não afeitas a terminologia odontológica e as ciências forenses, como ocorreu quando a mídia evidenciou a importância dos procedimentos de identificação, no caso das vítimas do desastre aéreo sofrido pelo jato da TAM, em São Paulo, no final de 1996.

       Inicialmente é importante que façamos algumas considerações sobre "identidade". Que a mesma pode ser estudada em seus aspectos subjetivo ou objetivo. Em seu aspecto subjetivo, estuda-se a noção que cada indivíduo tem de si mesmo, no tempo e no espaço, e a consciência do eu; este autoconceito, pode variar devido a estados patológicos. Já a identidade objetiva, segundo SIMAS ALVES21 Apud ARBENZ03 (1988), é o conjunto de caracteres físicos, funcionais ou psíquicos, normais ou patológicos que individualizam determinada pessoa.

Outro aspecto a ser aclarado, diz respeito a distinção entre reconhecimento e identificação. O reconhecimento pode ser entendido como uma identificação empírica, subjetiva sem o rigor científico. O reconhecimento médico-legal ou odonto-legal normalmente é visual, realizado por parentes ou conhecidos da vítima, tal constatação é muito suscetível a enganos e falhas.

       Estas imprecisões ocorrem, na grande maioria das vezes, não por má fé das pessoas que fazem o reconhecimento, mas devido as próprias limitações de tal método. Influenciado também pelo estado emocional das pessoas responsáveis pelo reconhecimento, causada pela provável perda de um ente querido ou mesmo pelo ambiente lúgubre dos Institutos Médicos Legais.

       Já a identificação é caracterizada pelo uso de técnicas e meios propícios para se chegar à identidade GALVÃO09 (1996).

       Esta identificação pode ser realizada por técnicos treinados (identificação judiciária ou policial) tendo seu maior exemplo a dactiloscopia. Ou pode ser realizada por profissionais com conhecimentos diferenciados e específicos na área biológica (identificação médico-legal ou odonto-legal) tendo uma sucessão praticamente ilimitada de técnicas e meios propícios, para chegar-se a identidade humana.

       O senso comum remete-nos a idéia de que o odonto-legista trabalha exclusivamente em corpos carbonizados, avaliando os trabalhos odontológicos realizados, entretanto, tal idéia não corresponde a realidade.

       "Pois na atualidade, o auxílio prestado pela Odontologia Legal no processo identificação humana, não se limita apenas ao reconhecimento de trabalhos protético, com o fim de determinar a identidade física de um cadáver irreconhecível, ou esqueleto. Hoje, o singelo e duvidoso reconhecimento cedeu lugar ao complexo, científico e seguro processo de identificação odonto legal." SOUZA-LIMA24 (1996).

       Tal desenvolvimento no processo de identificação humana post-mortem, trouxe como conseqüência a necessidade, de se organizar e estandardizar em graus sucessivos de complexidade os procedimentos deste processo. Fazendo com que o processo de identificação humana post-mortem fosse dividido em Geral e Individual.

       A identificação Geral, trata do estudo de vários aspectos sinaléticos, que irão formar um biótipo do indivíduo. Estes estudos iniciam-se com o estabelecimento da espécie animal, que é realizada por estudos antropológicos; de comparação anatômica dos aspectos macroscópicos com outros animais ou através da antropometria.

       Devido a este fato, todo Instituto Médico Legal, possui habitualmente um profissional responsável pelo setor de Antropologia Forense. E é para este setor que são encaminhados os cadáveres putrefeitos, carbonizados ou reduzidos a esqueleto para estudo e identificação, e onde, o odonto-legista é membro indispensável desta equipe, devido a seus conhecimentos específicos, principalmente sobre o crânio humano.

       Outras questões passíveis de serem esclarecidas pelo odonto-legista na identificação Geral post-mortem, dizem respeito a estimativa do sexo, a estimativa da idade, a estimativa da estatura, a determinação do grupo étnico ou a cor da pele. Além de outras características como o diagnóstico de manchas ou líquidos provenientes da cavidade bucal ou nela contidos ou mesmo a causa e tempo de morte.

       Já a identificação Individual, distingui-se pela necessidade da presença de elementos comparativos anteriores a morte. Como por exemplo, em corpos carbonizados, os elementos dentários confrontados com os dados da ficha clínica odontológica anterior aos acontecimentos.

       Nestes casos a identidade é instituída quando há coincidências suficientes, e não são encontrados aspectos discrepantes ou conflitantes, estabelecendo-se assim a identidade individual ou absoluta de uma pessoa.

       Esta matéria, a respeito de ficha clínica odontológica, é de tal importância social, processos de identificação (Geral e Individual), perícias de avaliação de honorários e de responsabilidade profissional, que já se tornou um preceito ético sua elaboração para todos os pacientes11.

       Merecendo análise pormenorizadas de GUIMARÃES et al.11 (1994), que estabeleceram orientação para o cumprimento do preceito ético citado, traçando inicialmente uma panorama do uso desta ficha em vários países. Recomendando inclusive que se faça não somente o preenchimento da mesma, mas sim, o preenchimento de todo um prontuário odontológico do paciente, onde contenha além de sua identificação, sua história clínica, exame clínico (odontograma), plano de tratamento, tratamento realizado e exames complementares.

       Entretanto, por mais que a Odontologia Legal se desenvolva e aprofunde seus conhecimentos, o trabalho em equipe com profissionais de outras áreas das ciências forenses como: medicina, direito, farmácia, antropologia, computação, fotografia, bioquímica, entre outros, é que permitirá, que cada vez mais a justiça tenha elementos objetivos e seguros, ou sejam elementos de prova, para firmarem suas convicções.

       Esta vasta atuação do cirurgião-dentista no âmbito forense é assegurado por legislação federal competente06. SILVA20 (1994) examinado o assunto de perícias odonto-legais, abordou todas as normas jurídicas próprias, inclusive Resoluções do Conselho Federal, deixando claro que a área de competência da Odontologia é múltipla (civil, criminal, trabalhista e administrativa).

       E por ser a identificação humana, um dos principais objetivos do estudo e pesquisa odonto-legais, e também sendo objeto deste trabalho demonstrar a contribuição da Odontologia Legal à identificação post mortem, procuramos a seguir, trazer confirmações, através de trabalhos científicos, deste valor inconteste.


REVISÃO DE LITERATURA
:

       Devido a extensão do tema, procuramos dar ênfase à apenas alguns referências descritas no nosso trabalho original.. Todavia, devido sua inquestionável importância para a afirmação da Odontologia Legal como ciência autônoma, destacamos inicialmente o mestre AMOEDO01 que em 1903, realizou um estudo sobre a importância dos dentes após a morte sob o ponto de vista Médico Legal.

       O autor aborda desde as variáveis que condicionam o tempo necessário para decomposição corpórea. Comentando casos de carbonização (Ópera Cômica de Paris e Bazar da Caridade-1897) onde a identificação, somente foi possível através da análise dos elementos dentais, que permaneceram preservados pelas estruturas circundantes. Destacando ainda a relevância social e humanitária prestada pelos processos de identificação humana.

       PETERSEN17 (1975), reportou-se ao incêndio do hotel Hafnia, ocorrido em Copenhagen, em 1973, onde em decorrência da queima do edifico, somou-se trinta e cinco vítimas fatais.

       Colaboraram com a equipe de identificação oito dentistas, que realizaram em todas as vítimas exames visuais, fotográficos, de raios X, anotação detalhada do odontograma post-mortem e finalizaram seus trabalhos com uma comparação e avaliação das informações ante-mortem com os dados preliminares obtidos. Os resultados desta cooperação, da equipe odontológica, foram a identificação em 74% das vítimas (26 casos).

       O ocorrido também serviu para uma reflexão dos trabalhos e sugestão para que no futuro, casos similares, o número mínimo de dentistas seja de dois para cada trinta vítimas.

       SOGNNAES22 (1975), esclareceu a identidade de Martin Bormann, chanceler do Terceiro Reich alemão durante a II Guerra Mundial, sobre o qual pairavam muitas controvérsias a respeito do seu paradeiro, que incluíam desde suicídio, até ter sido visto após a II Guerra na Escandinávia, na Alemanha, na Itália e em alguns países Sul Americanos.

       Por meio dos registros do Dr. Hugo Blaschke, dentista dos Nazistas VIP (Very Important Person), foi possível em 1972 realizar a comparação objetiva de dezesseis características dentais antes da morte e post-mortem, de um suposto esqueleto do desaparecido. Os estudos odonto-legais puderam estabelecer a identidade individual (absoluta) de Martin Bormann.

       BERNSTEIN05 (1983), referiu-se ao valor da utilização das fotografias para acurácia da documentação odontógica post-mortem, justificada pelo fato das evidências dentais, apesar de resistentes, serem compostos de materiais orgânicos, e como todo material orgânico, perecíveis.

       O autor faz uma explanação sobre o equipamento fotográfico necessário, para que os resultados obtidos (fotografias) tenham efetividade na identificação dental, dando exemplos explicativos de técnicas para se fotografar: corpos no local do acidente/crime, arcadas dentárias, esqueletos, a face humana, dentes anteriores e radiografias anteriores a morte.

       ENDRIS08 (1985). descreveu o caso de repercussão internacional, do carrasco nazista Josef Mengele, onde houve a contribuição da Odontologia-Legal através de exames das características dentais e dos ossos maxilares, anteriores a sua morte, extraídas de fichas de exame físico realizado quando Mengele ainda estava no campo de concentração de Auschwitz. Tais fichas, quando comparadas aos eventos encontrados, na ossada suspeita, apresentaram marcas evidentes de positividade da identificação, com uma alta probabilidade.

       MANN et al.15 (1987), produziram uma metodologia para estimativa da idade biológica humana, através do estudo do intervalo de obliteração das suturas palatinas de trinta e seis peças ósseas conhecendo-se a idade, sexo e raça das mesmas. O presente estudo atesta, o potencial que tem o exame das obliterações da suturas palatinas, para se estimar a idade biológica dos indivíduos, contudo, os autores reconhecem a necessidade de novas pesquisas, utilizando-se amostras mais representativas.

       JACOB & SHALLA12 (1987), descreveram a identificação post-mortem realizada em vinte e oito indivíduos edentados, onde os mesmos foram identificados por dois processos distintos e simultâneos. No primeiro processo eram analisadas as rugas palatinas bem como todas os detalhes das demais estruturas anatômicas circundantes, obtendo-se 100% de acurácia na identificação. Já o segundo procedimento avaliou somente as rugas palatinas, obtendo índice de acerto de 69%. Demonstrando que em casos de identificação de pessoas edentulas, a topografia anatômica maxilar deve ser considerada no todo.

       GRIFFITHS et al.10 (1988), reportaram o treinamento realizado anualmente, no estado de New South Wales, Austrália, com dentistas tanto do setor público como privado, para familiarizá-los a técnicas de identificação dental. Fazendo com que numa eventualidade, as vítimas de um desastre de massa ou mesmo de casos isolados, sejam mais facilmente identificados. O curso não tem a pretensão de uniformizar o preenchimento dos documentos profissionais relativos aos paciente (prontuário clínico), e sim, objetiva preservar as características peculiares de cada profissional no preenchimento de seus registros.

       Buscando entretanto, familiarizá-los, através da simulação de um desastre de massa, a trabalharem em equipe, especialmente em autopsia dental e comparação antes da morte dos registros profissionais relativos a seus pacientes.

       ROTHWELL et al.19(1989), deixam claro que a odontologia legal possui papel preponderante na identificação de remanescente corpóreos, para certificação da identidade de pessoas falecidas, e sendo particularmente crítica nas investigações de homicídios.

       Descrevendo o caso de uma série de assassinatos ocorridos a partir de 1982, e até aquele momento não solucionados, onde o "serial killer", conhecido como o Assassino de Green River, fez quarenta vítimas, todas do sexo feminino. As vítimas foram encontradas em vários estágios de decomposição ou já em estado de esqueletização, sendo trinta e seis delas identificadas principalmente pelas evidências dentais. Entretanto, destacam as dificuldades em se conseguir os prontuários dentais antes da morte dos desaparecidos (supostas vítimas), bem como apontam problemas nos documentos analisados.

       Os autores concluem que a odontologia legal pode contribuir significativamente para o progresso dos processos de identificação, desde que haja um contínuo envolvimento para o treinamento de dentistas especialistas na área forense.

       POTSCH et al.18 (1992), expuseram que as polpas dentais são um dos poucos materiais orgânicos disponíveis para análise do DNA em alguns casos especiais como: vítimas de acidentes aéreos, corpos carbonizados ou putrefeitos. Os autores estudaram uma amostra composta de três grupos de dentes. O primeiro grupo era formado por 30 dentes, obtidos de extrações dentárias, guardados e avaliados por períodos de 6 semanas a 4 anos. O segundo grupo, 10 dentes, foram extraídos de fragmentos mandibulares armazenados por 15 anos. O último grupo, de 8 dentes, foi obtido de cadáveres recentes. Em todos os casos foi possível, através da utilização da técnica de reação polimerase em cadeia (PCR), determinar-se o perfil genômico e o sexo.

       SOLHEIM et al.23 (1992), reportaram um dos maiores acidentes navais da história, do "Scandinavian Star" ocorrido em 1990 e que somou 158 vítimas. A identificação das mesmas contou com um time de expectes, subdivididos em quatro grupos, cada um contendo dois dentistas. Todos exames e autopsias foram realizados no Instituto de Medicina Forense da Universidade de Oslo, sendo concluídos em dezessete dias, com a identificação positiva de todas as vítimas. Os exames dentários foram responsáveis pela identificação de 107 casos (68%).

       KULLMAN & CIPI14(1992), descreveram um caso de identificação através dos dentes, que contou com a cooperação internacional entre Albânia e Suécia para resolução do caso. É destacado a importância do trabalho em equipe, inclusive de países e profissionais distintos (policiais, autoridades, médicos e dentistas forenses), para que pudessem chegar ao resultado a contento.

       KESSLER & PEMBLE13(1993), descreveram a atuação da odontologia legal na identificação das vítimas americanas na "Operação Tempestade no Deserto". Dos 251 exames de identificação dental realizados, 244 possibilitaram a individualização e positiva identidade das pessoas. Tais exames foram facilitados pela existência de um arquivo com radiografias panorâmicas da maioria das pessoas envolvidas com a "Operação", os casos não identificados foram justamente os que não apresentavam registros dentais prévios.

       AUSTIN & MAPLES04 (1994), Descreveram um estudo da verificação da acuracidade dos métodos de superposição de imagens, para identificação de crânios humanos desconhecidos. Neste estudo os autores procuraram verificar a exatidão do método sem fazerem uso dos registros da dentição. E puderam concluir que, mesmo ser fazer uso dos dados odontológicos, é possível se realizar a superposição de imagens, identificando o indivíduo, se possuirmos pelo menos duas boas fotografias (frontal e lateral) anteriores ao óbito do indivíduo.

       CLARK07 (1994), analisou a contribuição prestada pela odontologia legal em dez desastres de massa ocorridos em território britânico. Indicando as dificuldades associadas com a aplicação dos métodos de identificação, principalmente a respeito da inadequação dos registros dentais. Sugerindo que através da FDI (Wold Dental Federation), cada país membro tome ciência da importância do correto preenchimento destes registros, e divulgue estas informações dentro do seu país, pois qualquer cidadão de qualquer nação pode ser vítima de desastres internacionais.

       ANDERSEN & WENZEL02 (1995), analisaram em uma simulação antes e post-morte, a capacidade de identificação individual, através de análise do substrato radiográfico dental, da técnica "bitewing". Basendo a identificação num sistema de escore (1=eliminado, 2=possível, 3=provável e 4=certo), onde três observadores analisavam cada caso e classificavam as radiografias neste escore acima, levando-se em conta de dois a doze características individuais. Os autores crêem na validade desta técnica para identificação individual humana, desde de que aplicada dentro de critérios estritos.

       OLIVEIRA16 et al. (1995), estudando apenas mandíbulas, relacionando-as com a estimativa do sexo, desenvolveu metodologias específicas à padrões nacionais, onde as características consideradas foram a altura do ramo mandibular e a distância bigoníaca, sendo os valores analisados estatisticamente.

       As duas metodologias empregadas, regressão logística e análise discriminate, demonstraram boa margem de acerto, respectivamente de 77,7% e 78,33%, apresentando ainda através da regressão logistíca, um escore de probabilidade de pertinência ao sexo feminino.

       Ao final o autor desenvolveu um "software", para utilização a padrões métricos, de indivíduos brasileiros adultos, independentemente do grupo racial a que pertençam.

       STEAGALL & SILVA25 (1996), fizeram uma pesquisa sobre a importância da dentística e seus materiais no processo de identificação humana. Ressaltando o valor do prontuário odontológico (fichas clínicas), conterem anotações detalhadas de cada procedimento realizado, inclusive dos materiais forradores utilizados.

       Os autores verificaram as alterações sofridas por diferentes materiais (amálgama, resina acrílica, resina composta, cimento policarboxilato e cimento de silicato) em diferentes temperaturas (200oC, 400oC e 600oC) por um período de dez minutos a cada vez, simulando as temperaturas ocorridas nos incêndios nos edifícios Joelma e Andraus em São Paulo, fornecendo-nos subsídios imprescindíveis, a respeito das alterações sofridas (textura, contração, cor e permanência ou não na cavidade) por estes materiais dentários, nos processos de identificação post-mortem de pessoas carbonizadas.



DISCUSSÃO
:

Como demonstramos anteriormente, os autores são unânimes a respeito da indiscutível contribuição fornecida pela odontologia legal nos processos de identificação humana post-mortem.

       Importância presente desde os procedimentos iniciais de identificação (identificação geral), na estimativa do sexo ARBENZ03 (1988), POTSCH et al.18 (1992), e OLIVEIRA16 (1995), na estimativa da idade MANN et al.15 (1987), na determinação do grupo étnico ou a cor da pele ARBENZ03 (1988). E outras características como o a estatura ou o diagnóstico de manchas ou líquidos provenientes da cavidade bucal ou nela contidos ou mesmo a causa e tempo de morte.

       Até a irrefutável possibilidade de identificação individual, que seria numa analogia clínica o "fechamento do diagnóstico", a pormenorização, ou seja o estabelecimento da unicidade. Neste particular não nos faltam exemplos, desde casos de repercussão internacional AMOEDO01 (1903), ENDRIS08 (1985) e SOGNAES22 (1975), há casos de grandes catástrofes, como incêndio em edifícios PETERSEN17 (1975), acidentes navais SOLHEIM et al.23 (1992), guerras KESSLER & PEMBLE13 (1993), aos mais freqüentes acidentes aéreos CLARK07 (1994).

       Interessante também notarmos que os estudos não se restringem apenas a análise dental, mesmo quando esta seja feita através de pesquisas radiográficas ANDERSEN & WENZEL02 (1995).

       Há por exemplo, pesquisas sobre a identificação post-mortem em indivíduos edentulos JACOB & SHALLA12 (1987) que constataram ser de fundamental importância para identificação a análise de todas as estruturas anatômicas, não restringindo os estudos apenas as rugas palatinas.

       Pesquisas também existem sobre a melhor forma de se obter fotografias para os processos de identificação odonto-legal BERNSTEIN05 (1983). Investigação sobre as alterações sofridas pelos materiais dentários submetidos ao calor excessivo STEGALL & SILVA25 (1996). Sistemas computadorizados de identificação OLIVEIRA16 (1995). Estudos sobre superposição de imagens AUSTIN & MAPLES04 (1994). Como na grande área de pesquisa que se vislumbra, da genética relacionada com os processos de identificação dental post-mortem POTSCH et al.18 (1992).

       Com esta demonstração de vigor intelectual e permanente produção científica a odontologia legal, através de seus próprios méritos, segue seu caminho de ocupar lugar de destaque junto as demais áreas da odontologia. Entretanto a odontologia legal necessita de um aprendizado e reciclagem constantes, sobre sua importância e abrangência por todos os profissionais cirurgiões-dentistas CLARK07 (1994), GRIFFITHS et al.10 (1988) e ROTHWELL et al.19 (1989).

       Além de carecer de trabalhar em equipe GALVÃO09 (1996), GRIFFITHS et al.10 (1988) e KULLMAN & CIPI14 (1992), pois nos dias atuais o aporte de informações sobre qualquer assunto é tamanho, que o ser, por mais privilegiado intelectualmente que seja, tem dificuldades de ficar a par de todos os conhecimentos.

       Posto isto, fica patente que em muitos processos de identificação humana post-mortem somente o odonto-legista será capaz, através de seus conhecimentos específicos, respaldar adequadamente a justiça. Só este motivo já justifica a necessidade de pelo menos um profissional odonto-legista em cada equipe de identificação (Institutos Médicos Legais). Todavia a odontologia legal deixa claro que não quer para si, a exclusividade dos méritos relativo a solução de casos de identificação, até por que a mentalidade hoje em dia é do trabalho e apresentação dos resultados em grupo. Exige contudo ser respeitada e valorizada como ciência autônoma que é.



CONCLUSÕES
:


       Pelo exposto é lícito concluir:

1 -  A colaboração da Odontologia Legal aos processos de identificação humana post-mortem, é de valor irrefutável;

2 - O campo de atuação do odonto-legista nos processos de identificação humana post-mortem, não se restringe ao exame dos vestígios dentais, estendendo-se a várias áreas do saber, como exemplo: antropologia, genética, bioquímica, balística forense, tanatologia e traumatologia forense, radiologia, computação, prosopografia e mixagem de imagens; todos atos respaldados por competente legislação federal;

3 - Todo Instituto Médico Legal não deve prescindir, em sua equipe de identificação, dos conhecimentos específicos do odonto-legista;

4 - Assim como, o odonto-legista também não deve abdicar da atuação em uma equipe de identificação, que inclua: médico-legista, médico-patologista, psicólogo, antropólogo, farmacêutico-bioquímico, entre outros, pois o fim maior de todas as ciências forenses é o esclarecimento técnico e preciso à justiça.



REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
:


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       18) POTSCH, L. et al. Application of DNA techiniques for identification using human dental pulp as a source of DNA. Int. J. Legal Med., v. 105, n.3, p. 139-143, 1992.

       19) ROTHWELL, B.R. et al. Dental identification in serial homicides: the Green River Murders. J. Am. Dent. Assoc., v.119, n.3, p.373-79, Sep. 1989.

       20) SILVA, M. Das Perícias Odonto-Legais. In: SAMICO, A.H.R. et al. Aspectos Éticos e Legais do Exercício da Odontologia. 2.ed. Rio de Janeiro: Conselho Federal de Odontologia, 1994. p. 89-97.

       21) SIMAS ALVES, E. Medicina Legal e Deontologia. Curitiba: 1965.

       22) SOGNNAES, R.F. The mystery bridges of Martin Bormann’s alleged Berlin skull-key clues for forensic identification or another Piltdown case? Int. Dent. J., v.25, n.3, p.184-90, Sep. 1975.

       23) SOLHEIM, T. et al. The "Scandinavian Star" ferry disaster 1990-a challenge to forensic odontology. Int. J. Legal Med., v.104, n.6, p.339-45, 1992.

       24) SOUZA LIMA, J .A vida e obra de Luiz Lustosa Silva (considerado o "criador" da Odontologia Legal) Rio de Janeiro; Conselho Federal de Odontologia, 1996.11p.

       25) STEAGALL ,W. & SILVA, M. A importância da Dentística na Identificação pelos Dentes no Arco Dental. Revista Paulista de Odontologia, São Paulo, ano XVIII, n.5, p.23-34, sep/out. 1996. Incluído em 11/10/2001 21:22:08 - Alterado em 20/06/2022 21:09:02





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Contribuição da Odontologia Legal à Identificação Post-Mortem

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