Deveres de conduta das entidades prestadores de serviços médicos


O ato anestésico e sua natureza jurídica

Responsabilidade civil do médico

Índice
Artigos
Artigos sobre responsabilidade

O ato anestésico e sua natureza jurídica    


"
Genival Veloso de França

        Alguns admitem que o contrato médico é uma locação de serviços. Outros que a forma correta é considerá-lo um contrato sui generis, em virtude da especificidade e da natureza singular que se estabelece entre o profissional e o seu paciente (1).

        Desse modo entendemos que na responsabilidade civil contratual do médico a obrigação é de meio ou de diligência, onde o próprio empenho desse profissional é o objeto do contrato, sem compromisso de resultado, cabendo-lhe, todavia, dedicar-se da melhor maneira e usar de todos os recursos necessários. Isso não quer dizer, no entanto, que ele esteja imune à culpa.

        Por outro lado, alguns defendem a idéia de que o dano produzido em anestesia tenha configuração mais grave, por entenderem existir entre o anestesiologista e o paciente uma obrigação de resultados. Nesse aspecto discordamos frontalmente, pois difíceis e delicadas são as situações enfrentadas por esses especialistas, notadamente nos serviços de urgência e emergência, quando tudo é paradoxal e inconcebível, dadas as condições excepcionais e precárias, diante da essência dolorosamente dramática da iminência de morte. Exigir-se deles uma obrigação de resultado é atentar contra a lógica dos fatos.

        A obrigação do anestesiologista é de meio, porque o objeto do seu contrato é a sua própria atividade, quando emprega todos os recursos ao seu alcance, sem, no entanto, garantir sempre um sucesso. Só pode ser considerado culpado se ele agiu sem os devidos cuidados, agindo com insensatez, descaso, impulsividade ou falta de observância às regras técnicas. Não poderá ser punido se chegarem à conclusão de que todo empenho foi inútil face a inexorabilidade do resultado, quando o especialista agiu de acordo com a lex artis, ou seja, se os meios empregados eram de uso atual e sem contra-indicações.

        Dizer-se que a obrigação do anestesiologista é de resultado, porque ele se compromete anestesiar o paciente, e depois reanimá-lo às condições normais é, no mínimo, um absurdo. Primeiro, porque a função de um anestesiologista não é apenas fazer o paciente dormir e depois acordá-lo. Depois, não lhe fazer dormir e não lhe acordar, podem constituir ocorrências cujas razões são independentes de sua vontade, ligadas às condições fisiológicas e patológicas do doente e decorrentes da própria limitação de sua ciência, ainda mais quando foram realizadas todos os cuidados pré-anestésicos e solicitados todos os exames complementares. O anestesiologista não tem como prever as muitas conseqüências oriundas das condições multifárias do organismo humano. Acrescente-se a tudo isso o fato de ser a Anestesiologia considerada por muitos como a primeira especialidade de alto risco, porque todos os seus momentos são críticos, complexos e difíceis.

        A abrangência da competência do anestesiologista o leva não apenas aos conhecimentos das técnicas usuais e aos cuidados pré, trans e pós-operatórios, mas ao domínio da função respiratória, aos cuidados da atividade circulatória, da prevenção do choque, da supressão do estímulo doloroso, da correção das alterações dos líquidos eletrolíticos. E mais: exige-se dele o conhecimento e a execução simultânea e, às vezes, imediata do acesso vascular superficial ou profundo, permeabilidade das vias respiratórias, manutenção dos sistemas vitais, controle dos equipamentos, domínio sobre os órgãos principais e acessórios da respiração, controle das alterações gasosas, da capacidade residual funcional e controle da redução do volume minuto.

        Em síntese, o que se afirma não é que o anestesiologista não cometa erros - sejam eles de diagnóstico, de terapêutica e de técnicas -, ou que ele não seja nunca negligente quando se afasta da sala ou imprudente quando desnecessariamente atua de forma simultânea em duas anestesias. Mas, tão-só, que a anestesia tal qual vem se aplicando hodiernamente no conjunto das ações de saúde e em que se pese a relevância que se dê à modalidade de obrigação, não pode constituir um contrato de resultado, mas de meios ou de diligência, embora em casos de manifesta negligência ou imprudência venha se ampliar sua responsabilidade quanto aos métodos usados ou à terapêutica escolhida.

        Nos casos de maus resultados, onde se procure comprovar um erro médico, o que se deve considerar, antes de mais nada, além do nexo causal e do tamanho do dano, é o grau da previsibilidade do autor em produzir o resultado danoso e a culpa suficientemente demonstrada, dentro das espécies negligência, imperícia e imprudência. Nunca, de forma dogmática, prender-se a um princípio discutível onde se afirma equivocadamente ser o ato anestésico uma obrigação de resultado, dentro da relação contratual entre o médico e o seu paciente.

        E disso a crônica judiciária nos dá conta nos julgados dos tribunais de 2° e 3° graus, quando declara a culpa, entre outras, por falta de exames pré-anestésicos, o não equipamento da sala com instrumental necessário, a ausência mesmo momentâneo no trans-operatório. E nunca pelo fato da existência de uma ou outra forma de obrigação.

        A obrigação de resultado, onde se exige do devedor ativo de dar ou fazer alguma coisa parece-nos a cobrança contratual aos prestadores de serviços de coisas materiais, ao não cumprirem a promessa quantitativa ou qualitativa de uma empreitada. Isso, é claro, não poderia ocorrer na assistência médica. A não ser que irresponsavelmente alguém prometesse tanto.

        Mesmo assim, qualquer que seja a forma de obrigação de meios ou de resultado, diante do dano, o que se vai apurar é a responsabilidade, levando em conta principalmente o grau da culpa, o nexo de causalidade e a dimensão do dano, ainda mais diante das ações de indenizações por perdas e danos.

        No ato médico, a discutida questão entre a culpa contratual e a culpa aquiliana, e, em conseqüência a existência de uma obrigação de meio ou uma obrigação de resultado, parece-nos apenas um detalhe. Na prática, o que vai prevalecer mesmo é a relação entre a culpa e o dano, pois até mesmo a exigência do onus probandi hoje já tem remédio para a inversão da prova, qualquer que seja a modalidade de contrato.
        

1 - Dias, JÁ – Responsabilidade civil, 6ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 1979.


Do livro Direito Médico, 6ª edição, São Paulo: Fundo Editorial Byk, 1996.


Incluído em 02/11/2001 00:33:36 - Alterado em 20/06/2022 13:42:19





Deveres de conduta das entidades prestadores de serviços médicos




O ato anestésico e sua natureza jurídica

Responsabilidade civil do médico


10593
dias on-line







Idealização, Programação e Manutenção:

Prof. Doutor Malthus Fonseca Galvão

http://lattes.cnpq.br/3546952790908357
Este site é monitorado, está em constante complementação e pode conter erros.

Para utilização acadêmica e científica do conteúdo deste site, siga os termos da licença:
CC BY-NC-SA 4.0


fale conoscoFale Conosco
0 - 0 -