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Recusa do réu em investigação de paternidade

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Recusa do réu em investigação de paternidade    


Genival Veloso de França

        Como se sabe, o réu não está obrigado nem pode ser compelido a se submeter a exame de sangue para testes de vinculação genética de paternidade. Não existe no ordenamento jurídico brasileiro qualquer norma que obrigue, seja o pai ou a mãe, réus em uma ação de investigação de paternidade ou maternidade, a submeter-se ao exame pericial solicitado, pois nenhum magistrado pode obrigar ou mesmo coagir algo que a lei não o obriga. E mais: fere o principio constitucional expresso no artigo 5° - II que se enuncia afirmando:

"ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei".

       O mesmo se diga de nossa jurisprudência que não se cansa em negar a obrigatoriedade do réu a submeter-se a exame técnico, como assegura o STF ao se reportar ao assunto dizendo que

"ninguém pode ser coagido ao exame ou inspeção corporal, para a prova cível" (RJTJSP 99/35, 111/350, 112/368 e RT 633/70).

       Todavia há entendimentos outros de que a recusa do investigado em submeter-se ao exame de DNA é igual à presunção da veracidade dos fatos que se alegam.

"Se o exame hematológico é necessário para a negativa de paternidade, cumpre ao réu o ônus de ceder o sangue exigido, sob pena de a recusa ser interpretada em seu desfavor." (TJAC. AP. CIV. 505/95 E 96.0000228-6 (24.3.1997)

  "Não há lei que obrigue, seja o pai ou a mãe, réu em uma ação de paternidade, a submeter-se ao exame de DNA solicitado. Porém a recusa em submeter-se ao exame pericial sem qualquer justificativa, leva à presunção da veracidade dos fatos alegados, aplicando-se a regra do artigo 359 do CPC" (RT. 750/336)

       O Min. Marco Aurélio, em acórdão de julgamento do habeas corpus 71.373.0-RS, discutiu a matéria com o seguinte argumento:

 "O que temos em mesa é a questão de saber qual o direito que deve preponderar nas demandas de verificação de paternidade: o da criança a sua real (e não apenas presumida) identidade ou do indigitado pai a sua intangibilidade física."

        Com esse argumento o direito ao próprio corpo deixa de ser absoluto ou ilimitado. O princípio da inviolabilidade do corpo deixa de existir e se submete a outro interesse maior, em nome da ordem publica e do interesse social. Enfim, com este raciocínio, defende-se a tese em que o princípio da intangibilidade do corpo humano, que protege um interesse privado, deve dar lugar aos direitos à identidade, que salvaguarda, em ultima análise, um interesse também público. Em síntese, esse foi o pensamento do Min. Rezek quando votou naquele mesmo processo.

        A verdade é que nos casos de investigação de paternidade, o juiz nem sempre dispõe de elementos de conteúdo probante absoluto e dado o seu direito discricionário no processo termina optando por indícios e presunções, o que, lamentavelmente, pode resultar em incontornáveis equívocos.

        Sabe-se que os tribunais têm, nas ações de determinação de vínculo genético da paternidade, se socorrido da prova indireta, constante de informações do relacionamento mais intimo e mais constante da mulher com o suposto pai.

        Todavia, a partir do momento que se sabe não ser o resultado de um determinado exame pericial genético um fato de valor absoluto e de resultado inquestionável, não há razões suficientes para que se firme na presunção uma paternidade alegada, principalmente quando nos autos do processo não há margem segura para se concluir com tanta certeza e veemência. Esta presunção deve, no mínimo, estar lastreada de outros meios probatórios capazes de fundamentar uma avaliação desta ordem. Se não, teremos uma decisão meramente intuitiva e baseada em simples especulações.

        O juiz Mauro Nicolau Junior, da Vara de Família de Nova Friburgo, na ação de investigação de paternidade, Processo n° 21.998195, relatou que:

"o devido procedimento legal aconselha que o magistrado, no quadro atual de "desdivinizacão" da famigerada prova técnica, investigue e encontre por primeiro, os subsídios de prova capazes de encorajá-lo a dar fundamentado seguimento na busca processual da anunciada paternidade, valendo-se, depois de meditar sobre um conjunto mínimo de provas, da verossimilhança entre a alegativa parental e sua possível conexão fática. Acontece que este precipitado sacramento do teste genético, sempre ordenado sob a sutil ameaça da presunção de paternidade pela negativa em realizá-lo, tem provocado corrosivas injustiças, já que ignoram o equilíbrio e a adequada distribuição do conjunto probatório processual."

        Nesta linha, embora de forma mais radical:"Não basta ao interessado na investigação de seu nexo biológico louvar-se no exame de DNA, que deve ser lido num conjunto probatório muito mais denso e verdadeiramente seguro." (Marco Aurélio Sincerely Viana. Alimentos, ação de investigação de paternidade e maternidade. Belo Horizonte: Editora Del Rey, 1998).         O risco de tudo isso, quando se supervaloriza a presunção, é centrar-se na idéia de que há mais credito jurídico no fato da omissão de quem não se apresenta para realizar o exame solicitado do que na verdade dos fatos trazidos por outras provas que não sejam as dos testes de DNA. E que essa recusa seja não só uma confissão, mas que isso ateste sua condição insofismável de pai. Tal fato é comprometedor porque ao mesmo tempo em que se nega ao réu o direito de reagir contra uma invasão de sua privacidade, admite-se que a recusa de fazer o exame solicitado equivale a procedência de uma paternidade. O perigo é dar-se à presunção o mesmo caráter de "sacralidade" que outros propõem aos testes de DNA.

        Em suma, pode-se afirmar que o réu tem o direito constitucional de recusar-se à realização do exame de sangue na averiguação da vinculação genética da paternidade, pois ele está com essa negativa exercendo a prerrogativa de não submeter o seu próprio corpo a uma prova que não deseja e do direito de não depor contra si próprio. Por outro lado, a presunção só pode ser considerada dentro de um conjunto de indícios e desde que esses elementos sejam criteriosamente avaliados. Só assim, não se correrá o risco da "sacralização" da simples presunção como elemento fundamental na atribuição de uma paternidade a quem exerceu o direito de recusar o exame de DNA, como a adverte Pedro Di Lella (in Paternidad y pruebas biológicas, Buenos Aires: Ediciones Depalma, 1997).

 Do livro Medicina Legal, 6 ed.
Ed. Guanabara Koogan S/A, RJ
2001 (no prelo)

Incluído em 08/10/2001 21:10:27 - Alterado em 20/06/2022 13:50:26






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