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Responsabilidade penal do médico

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Responsabilidade penal do médico    


Neri Tadeu Camara Souza

       A responsabilidade penal do médico tem sua previsão no Código Penal Brasileiro. Mas, não é exclusividade do Código Penal tipificar delitos que podem ser praticados por médicos. Há outros diplomas legais em nosso ordenamento jurídico que também o fazem. Como exemplo, pode-se citar a Lei das Contravenções Penais que, em seu artigo 66, prevê como contravenção referente à administração pública o médico se omitir de comunicar determinados crimes passíveis de ação pública dos quais, porventura, tome conhecimento no exercício profissional.

       Na responsabilidade penal o processo contra o médico é movido pela sociedade como um todo, é obrigatória a instauração deste processo, portanto indisponível. Quem vai acusar, atacar, o médico é um promotor de justiça – membro do Ministério Público. É o autor da ação contra o médico. O médico é o réu e é acusado de um crime que deve estar previsto na legislação penal. A conseqüência da condenação para o médico nos casos de responsabilidade criminal (penal) é a imposição à este de uma pena pelo julgador. Esta pode ser uma pena privativa da liberdade. Cabe aqui mencionar que com o advento da Lei 9.099/95 – Lei dos Juizados Especiais (que julga crimes, salvo exceções legais, para os quais a pena máxima prevista é igual ou inferior a 1 ano e as contravenções) – foi introduzida a possibilidade de composição dos danos, porventura causados pelo médico antes de se instaurar a ação penal propriamente dita, em situações que a legislação assim o determinar. Nestes casos, se o médico concordar em ressarcir os prejuízos que o paciente entenda ter sofrido e este aceitar, deixará de existir o processo criminal. Não haverá nenhum registro de antecedentes criminais para o médico. Caso não haja este acordo entre o médico e o paciente (vítima), já instaurado o processo, desde que o médico ressarça os prejuízos que causou, poderá o Ministério Público, através do promotor, propor a suspensão condicional do processo, se o caso se enquadrar na legislação penal vigente para estas situações. O processo criminal fica suspenso e decorrido um determinado tempo (de 2 a 4 anos) se o médico preencher neste período as condições determinadas pelo julgador o processo será extinto. Observe-se porém que, neste caso, haverá reconhecimento da culpa do médico com repercussões na área judicial cível.

       Nos casos de responsabilidade civil o processo contra o médico é movido pela pessoa que se sentiu lesada pela conduta do médico. É o autor da ação. O direito de processar o médico, neste caso, é disponível. Aquele que se julga prejudicado vai processar o médico se quiser. Este autor acusa através de seu procurador - um advogado por ele contratado ou fornecido gratuitamente pelo Estado – um membro da Defensoria Pública – o defensor público. O médico é o réu e é acusado de ter causado um prejuízo à determinada pessoa. A conseqüência da condenação para o médico nos casos de responsabilidade civil é uma pena pecuniária – deve ressarcir, pagar, o prejuízo que causou a outrem.

       Ensina-nos Jurandir Sebastião(1):

"O médico (como qualquer outro cidadão) possui direitos e obrigações comuns a todos. Pode, portanto, incorrer em qualquer delito previsto nas leis penais como autor, co-autor ou partícipe. É o caso por exemplo, do delito de omissão de socorro, previsto no art. 135 do Código Penal, que pode ser cometido por qualquer pessoa. Porém em razão do exercício da medicina, comumente envolve esse profissional, porque ocorrendo ferimento em alguém, o médico sempre é solicitado a intervir".

       Continua, nos dizendo: "Contudo há os denominados crimes próprios, só cometidos pelos médicos, a exemplo de Omissão de Notificação de Doença, previsto no art. 269 do código penal (norma penal em branco, ou seja, tipo penal que só se completa com a lista de doenças selecionadas pelas autoridades sanitárias, pela conveniência científica ou social em cada momento histórico, com o propósito de evitar a disseminação)".

       Portanto, o médico pode cometer crimes comuns (aqueles que não precisa ser médico para os cometer) e crimes próprios (precisa ser médico para comete-los, por serem crimes inerentes à quem exerce a profissão de médico – só podem ser cometidos por quem estiver no exercício da medicina). O mesmo Jurandir Sebastião(2) exemplifica:

"Também a recente Lei de Transplantes de Órgãos (Lei 9434/97), assim como a Lei de Engenharia Genética (Lei 8974/95), criaram várias figuras criminais, especificamente de conduta médica (ou de médico-cientista) (...)".

       Os crimes comuns e próprios, têm previsão em nosso ordenamento jurídico. Como nos diz Léo Meyer Coutinho(3):

"A responsabilidade criminal está prevista no Código Penal, nos capítulos referentes aos crimes contra a vida, lesões corporais, crimes contra a saúde pública e outros".

       Para que a ação do médico se constitua um crime este tem que agir com dolo ou culpa na sua conduta. Esta conduta deve corresponder a um tipo penal previsto – descrito - em nosso direito positivo, ou seja, em nossas leis. Ajuda no entendimento o que nos diz Damásio de Jesus(4):

"1) conduta (ação) é o comportamento humano consciente dirigido a determinada finalidade;

2) dolo é a vontade de concretizar os elementos objetivos do tipo;

3) culpa é a inobservância do cuidado objetivo necessário, manifestada numa conduta produtora de um resultado objetiva e subjetivamente previsível (previsibilidade objetiva e subjetiva);

4) dolo e culpa constituem elementos do tipo: o dolo é elemento subjetivo do tipo; a culpa, elemento normativo do tipo".

       Isto tudo, em termos de Direito Penal, caracteriza a chamada Teoria Finalista da Ação, ou seja, o dolo ou a culpa integram o tipo penal, um deles tem que estar presente na conduta – na vontade - do médico que cometer um crime, seja ele um crime comum ou próprio.

       Havendo dolo na conduta do médico, em caso de se caracterizar um crime este será doloso, havendo culpa na conduta este será culposo. Nos diz o Código Penal, em seu artigo 18, o que é crime doloso e culposo:

"Art. 18 – Diz-se do crime:

I – doloso, quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzí-lo;

II – culposo, quando o agente deu causa ao resultado por imprudência, negligência ou imperícia".

       Na prática, a maior parte das vezes, o agir delituoso do médico, em termos de responsabilidade penal, envolve crimes meramente culposos. Crimes estes em que deve estar presente no agir do médico a culpa, ou seja, que tenha ele atuado com imprudência, negligência ou imperícia. As duas primeiras caracterizando-se por um agir (comissão) inadequado – imprudência - ou um não agir (omissão) – negligência – prejudicial ao paciente. A última, por sua vez, manifestando-se por um agir do médico em desacordo – imperícia - com o estágio, naquele momento, da ciência médica.

       No dolo - o agente, médico, atua ou se omite intencionalmente, tem uma ação ou omissão voluntária - há consciência plena do que pretende obter como resultado. Como nos diz Keity Mara Ferreira de Souza(5):

"A ação como primeiro elemento estrutural do crime, é o comportamento voluntário conscientemente dirigido a um fim. Compõe-se de um comportamento exterior, de conteúdo psicológico, da representação ou antecipação mental do resultado pretendido, da escolha dos meios e a consideração dos efeitos concomitantes ou necessários e do movimento corporal dirigido a um fim proposto".

       Portanto não haverá tipicidade – presença de uma conduta típica de um ato criminoso, previamente descrita em lei penal – se não houver dolo ou culpa no agir do médico, pois para que se caracterize o tipo penal um destes tem que estar presente no agir – na ação - do profissional.

       Pode-se se dizer, a grosso modo, que quando age com dolo a conduta do médico é voluntária e quando age com culpa a conduta do médico é involuntária. E, assim agindo, se houver caracterização de um tipo penal, o médico estará cometendo um crime. Neste caso, nos diz José Geraldo de Freitas Drumond(6):

"Não se duvida mais que à sociedade atual cabe o direito e ao Estado o dever de responsabilizar o médico que infringir, voluntária ou involuntariamente, as regras fundamentais do agir profissional".

       Mas há que provar a culpa do médico, ou sob a forma de dolo, ou como culpa em sentido estrito, pois não se admite no direito penal a culpa presumida. Um simples erro, seja na investigação, diagnóstico ou tratamento, não é mandatório de que haja culpa penal. Se o médico agir com cuidado, observando os ditâmes da lex artis, inexistirá culpa em seu agir – muito menos dolo. Mesmo na presença de danos à bens jurídicos de outrem, exclui-se, nesses casos, a responsabilização penal do médico. O erro grosseiro por parte do médico sempre implicará em reconhecimento da culpa penal. As circunstâncias em que se deu o atendimento realizado, também influirão na determinação da presença de culpa penal no atuar do médico.

       Há que se ressaltar aqui que a responsabilidade penal do médico se configurará, havendo um agir que se adeqüe a um tipo penal, independentemente de haver um resultado do seu agir que cause dano ao paciente. Diversamente da responsabilidade civil, onde a presença de dano é condição sine qua non para que se caracterize a possibilidade de responsabilizar civilmente o médico.

       Quando a sentença penal desfavorável ao médico transitar em julgado, ou seja, não houver possibilidade de recorrer da sentença penal condenatória em mais nenhuma instância judicial, haverá permissão para o lesado interpor diretamente a ação executória contra o médico, dispensando-se a condenação na área cível. Submete-se esta sentença, obrigatoriamente, ao procedimento de liquidação dos danos (art. 603, caput, do Código de Processo Civil: "Procede-se à liquidação, quando a sentença não determinar o valor ou não individuar o objeto da condenação.") sofridos pelo paciente.

       Se a sentença penal for absolutória, dependendo dos termos em que for exarada esta sentença, ainda assim poderá caber ao paciente o direito de interpor ação no juízo cível para ressarcir-se de prejuízos que julgue tenha sofrido pelo agir do médico.



NOTAS

(1) Sebastião, Jurandir. Responsabilidade Médica Civil, Criminal e Ética – Legislação positiva aplicável, Editora Del Rey: Belo Horizonte – MG, p. 81, 1998.

(2) Op. Cit., p.82.

(3) Coutinho, Léo Meyer. Responsabilidade Ética – Penal e Civil do Médico, Brasíla Jurídica: Brasília – DF, p.14, 1997.

(4) Jesus, Damásio de. Direito Penal – Parte Geral, 1° Volume, 19ª ed., Saraiva: São Paulo – SP, p.407, 1995.

(5) Souza, Keity Mara Ferreira de. A (ir)responsabilidade penal da pessoa jurídica. < www.jus.com.br/doutrina/rpenpj.html  > (21.02.01).

(6) Drumond, José Geraldo de Freitas, Responsabilidade civil e penal dos médicos. < www.unimontes.br/pub/respmed.htm > (20.02.01). Advogado e Médico - Direito Médico
resp@via-rs.net Incluído em 30/09/2001 01:12:14 - Alterado em 20/06/2022 14:34:38






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