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A medicina industrial, para atuar mais prontamente, retira da dor qualquer contexto
subjetivo. O sentido da palavra "dor" foi modificada pela linguagem
profissional. A única formula que o modelo médico atual encontrou de vencer a dor foi
torná-la cada vez mais objetiva. Tão objetiva quanto a linguagem impessoal entre
médicos e enfermeiros. Essa maneira de atuar junto à dor desloca o Homem para um novo
espaço ético e político.
Índice
Artigos
Artigos sobre eutanásia e fim da vida
A alienação da dor
A civilização de consumo conseguiu modificar a experiência da dor
Ninguém pode negar que o limiar de tolerância da dor venha sofrendo profundas
alterações e que a medicina moderna torna-se mais e mais cúmplice de uma assustadora
dependência farmacológica e de uma industrialização pela empresa farmacêutica.
Nada mais fácil, para entender tais aspectos, que acompanhar a história da
medicalização da dor. Antes, não era ela tratada, haja vista nada mais representa que
um instrumento a serviço do diagnóstico, dando ao médico a oportunidade de descobrir
qual a harmonia perdida. Durante o tratamento, a dor até poderia desaparecer, mas de fato
esse não era o interesse imediato da atividade médica, para quem a dor significava um
certo benefício em favor da conservação do próprio homem.
Quando a dor perdeu seu sentido cósmico e mítico, emancipada de qualquer referencial
metafísico, seu controle deu ao indivíduo o entendimento de que a sensação dolorosa é
um ponto clínico objetivo e que pode ser debelado por uma terapia simples e padronizada.
Existe um fenômeno coletivo comum às comunidades angustiadas: fazer do normal uma
coisa rara. Um desequilíbrio fisiológico antigamente considerado como natural é hoje
coletivamente medicalizado pela oferta fácil dos que podem dispor de um remédio moderno
e ativo. Os meios de divulgação não se cansam de impor à população uma
sintomatologia-tipo, facilmente tratada e prontamente curada. Entre elas, a mais comum é
a dor.
Michel Foucault afirma que atualmente a dor foi transformada em problema de economia
política, em que o homem se coloca como "consumidor de anestesia", à procura
de tratamento que o faz artificialmente insensível, abúlico e apático. Ivan Illich
observa que esse indivíduo não vê mais, na dor, uma necessidade natural, mas que ela
representa, desde logo, como resultado de uma tecnologia faltosa, de uma legislação
injusta ou de uma defasagem social e econômica.
A dor, como objeto de diagnóstico e tratamento, classificada como real ou imaginária,
foi, sob o ponto de vista sócio-econômico, vítima do confisco técnico do sofrimento,
através de uma cultura supermedicalizada. Na realidade, o que se tem feito não é outra
coisa senão medicalizar o sofrimento - a palavra "dor de cabeça" vai
perder seu sentido na linguagem comum e se fortalecer como termo técnico.
Desde o momento em que a dor se tornou coisa manipulável, passando a ser matéria de
superproteção, em que o médico é capaz de diagnosticar, medir e provocar esse
fenômeno, a sociedade aceitou tal procedimento e rendeu-se a ele, numa forma de solução
para seus fracassos. Entretanto, simplesmente medicalizar a dor é correr o risco de
perder sua face essencial.
A inclinação da medicina em favor da analgesia se insere num contexto ideológico e
sua eliminação institucional tende a se refletir na angústia dos dias de hoje. O
próprio progresso social passou a ser sinônimo de ausência de sofrimento, em que a
comunidade empresa teria como alvo não o sentido de alcançar a felicidade, mas o de
minimizar o sofrimento. A tendência será essa empresa fabricar um remédio para cada
mal: para o tédio, para a tristeza e para a insatisfação, assim como criou medicamentos
para a dor.
Não se pode condenar a sociedade de agora, por estar dominada pela analgesia, mesmo
que ela comece a perder sua fantasia, sua liberdade e sua consciência. Mas é desta
maneira que ela foge da angústia e da solidão - dois monstros que ameaçam a
existência humana. E chegará um dia em que os choques, os tumultos, as catástrofes, a
violência e o horror serão os únicos estímulos capazes de chamar a atenção do homem
para si mesmo e de ter a certeza que ainda está vivo.
Por outro lado, começa a surgir, mais fluentemente, um novo tipo, que se pode chamar
de homo crucians (ou, no plural, homines cruciantes -
"homens dolorosos"). Não são pessoas anormais ou paranormais, monomaníacos,
interessadas apenas em ocupar sua atenção com a dor chamada psicogênica. São
indivíduos intimamente ligados aos valores humanos e que se colocam em permanente estado
de sofrimento. Essa dor não se localiza. Ela envolve toda personalidade. A história do homem
doloroso é a mesma de todas as histórias humanas, a que não faltam mártires e
heróis. Ele desponta e se alimenta de um meio social de valores desequilibrados, daí
atraindo todo sofrimento para si próprio.
A visão humanista do médico deve enxergar esses indivíduos como uma unidade
distinta, autônoma, dentro de uma realidade própria, compreendendo suas ânsias e seus
sonhares, segundo sua convicções e não de acordo com as normas ortodoxas da lex
artis.
Incluído em 21/09/2001 15:57:42 - Alterado em 20/06/2022 21:23:59
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