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Direito e bioética

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Carlos Fernando Mathias de Souza

        Vive-se a hora e a vez da bioética, que trata dos limites éticos no uso do conhecimento científico. Ou, em outras palavras, do entrelaçamento da ciência com a ética. Naturalmente, as questões de que cuida a bioética passam também (e muito proximamente) pelo direito. A propósito, observa Leo Pessini que ‘‘frente ao imperativo tecnológico temos que contrapor o imperativo ético. Nesse cenário surge com urgência a bioética, como novo rosto da ética científica. É por isso que os organismos internacionais e comissões nacionais de genética dos países desenvolvidos estão elaborando normas éticas, diretrizes para orientar a pesquisa científica nessa área. Entre os documentos mais importantes já produzidos, temos a Declaração Universal do Genoma Humano, de 1997. Trata-se de um verdadeiro hino à dignidade humana (...)’’ — (in Biotecnologia e Genômica: algumas reflexões bioéticas).

        Ampla bibliografia tem-se produzido cuidando das relações entre o direito e a bioética. Por mera ilustração, recordem-se obras recentes, como Bioetica e Diritto, de Giuseppe Dalla Torre, Bioetica e diritto privato — frammenti di un dizionario, de Francesco Donato Busnelli, Bioetica e Etica Publica (obra de diversos autores e coordenada por Giuseppe Deiana e Emidio D’Orazio), Faut-il cloner l’homme? (também de diversos autores, registrando debate, no Fórum Diderot, que teve como animador Pascal Nouvel), e Le Droit International de la Bioéthique, com textos selecionados por Nöelle Lenoir e Bertrand Mathieu. Recorde-se, de passagem, que o século que findou foi, assinaladamente, marcado por três megaprojetos, a saber: o Manhatan, que descobriu a energia nuclear, que é utilizada, por exemplo, na cura do câncer, mas também produziu as tragédias de Hiroshima e Nagasaki; o Apolo, que levou o ser humano ao espaço sideral, e o Genoma Humano, que teve início em 1990, com o objetivo de mapear (e ter a seqüência) de todos os genes humanos, portadores de segredos biológicos e genéticos.

        De passagem, diga-se que se entende por genoma o conjunto completo de cromossomos derivados de um dos genitores ou conjunto de genes transportados pelos cromossomos da espécie. A rigor, o referido projeto genoma humano tem suas raízes na descoberta do DNA (ácido desoxirribonucléico), em 1954, por Watson, Crick e Rosaling Franklin.

        A partir daí, fala-se até mesmo em uma era genômica, ou em uma revolução biológica, como expressão sinônima de uma nova revolução industrial. Ademais, fala-se que a humanidade vive a fase da medicina preditiva, após passar pelas medicinas preventiva e curativa. As ovelhas, por vezes, símbolo de conformismo e submissão (mais do que as mulheres de Atenas no gineceu), trouxeram, em 1997, à pauta das discussões problemas vinculados à reprodução artificial, inclusive de seres humanos.

        Em outras palavras, após a clonagem de uma ovelha com o suave nome de boneca — Dolly —, no Instituto Rosling, na Escócia, pode-se dizer que a comunidade científica ficou literalmente perplexa. Os geneticistas, por sua vez, em face das conquistas do projeto genoma humano, falam em cerca de 4.000 doenças (ou um pouco menos) de origem genética. Todavia, eles próprios se adiantam em afirmar que a medicina preditiva pode prever doenças genéticas, mas ainda não pode curá-las.

        A verdade é que nem tudo o que é cientificamente possível é ética e juridicamente possível. Os próprios cientistas, em muitos casos, alertam contra o próprio perigo de certas condutas. O Dr. Wilmut, ‘‘pai’’ da ovelhinha Dolly, com toda autoridade, alerta: ‘‘Não clonem seres humanos! A expectativa em torno da clonagem humana são abortos tardios, crianças mortas e sobreviventes com anomalias’’.

        E, por certo, com tal proclamação, o doutor Wilmut estar-se-ia recordando que a experiência de que resultou a ovelha Dolly foi precedida de mais de duas centenas e meia de tentativas. Lembre-se que a ovelhinha Dolly, ao completar três anos, já tinha características de envelhecimento de sua ‘‘matriz’’ (ou mãe) que, então, contava oito anos.

        Tem-se, assim, que, não por acaso, o doutor Harry Griffin, também do Instituto Rosling da Escócia, que produziu a ovelhinha, também adverte: ‘‘As chances de sucesso na clonagem humana são tão pequenas que é irresponsável encorajar as pessoas a acreditarem nessa possibilidade’’. Muito provavelmente um clone humano já traria incipientes, desde o ‘‘nascimento’’, todas aquelas doenças degenerativas mais comuns de uma pessoa adulta: reumatismo, artrites, diabetes etc.

        A verdade é que o ser humano é muito mais complexo do que se pode imaginar. Com efeito, após a transcrição de cerca de 90% de todo o DNA contido nos cromossomos (o que representa apenas 1% de todo o código genético), os cientistas tomaram conhecimento de que o número de genes é de apenas trinta mil, em vez dos cem mil que imaginavam, que formam ‘‘desertos’’ a ensejarem uma infinidade de combinações de variáveis.

        Esse quadro levou Collins, considerado o comandante do projeto genoma, a proclamar: ‘‘O genoma é um livro-texto de medicina numa linguagem que ainda não podemos compreender’’. De qualquer modo, no plano jurídico e em particular em termos de direito positivado, lembre-se que há vedação (praticamente por toda a parte) no referente à clonagem humana, mais particularmente no referente à clonagem reprodutiva.

        No ordenamento jurídico brasileiro, por exemplo, a Lei nº 8.974, de 15 de janeiro de 1995 (art. 8º, II), é expressa: ‘‘É vedado, nas atividades relacionadas a OGM (organismo geneticamente modificado), a manipulação de células germinais humanas’’. De igual modo, a Declaração Universal do Genoma Humano e dos Direitos Humanos, de 1997, estabelece, em seu art. 11: ‘‘Não serão permitidas práticas contrárias à dignidade humana, tais como a clonagem reprodutiva de seres humanos (...)’’.

        A Resolução do Parlamento Europeu, de 11 de março de 1997, que, de modo enfático, prescreveu que, pelo fato de cada indivíduo ter direito à sua identidade genética própria, ‘‘a clonagem humana é e deve permanecer proibida’’. Ademais, o importante parlamento propugna pela ‘‘interdição mundial e explícita da clonagem de seres humanos’’.

        Com relação à chamada clonagem terapêutica (em princípio admitida), há de se ter também muito cuidado. Recentemente, uma empresa norte-americana, na cidade de Worcester (estado do Massachusetts), clonou um embrião humano, dito para fins terapêuticos. Muito embora, de imediato, o presidente da companhia (Michael West) e os cientistas Cibelli e Lanza apresentassem justificativas expressas no sentido de que ‘‘as entidades que estamos criando não são indivíduos — são apenas vida celular, não são vida humana’’, a grita foi geral, inclusive por parte da comunidade científica.

        O geneticista Salmo Raskin, que trabalhou no citado projeto genoma humano, foi contundente na condenação: ‘‘Primeiro tentam provar que a técnica funciona, depois tentam entender por que ela funciona. Não é assim que se faz ciência’’. Assinale-se que o ministro da Ciência e Tecnologia, Ronaldo Sardenberg, em muito recente artigo sob o título ‘‘Clonagem de seres humanos; o debate científico e ético’’, tece considerações, em apertada síntese, sobre o tema de bioética (consignando em particular a posição da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança — CTNBio), além de registrar que as questões em destaque ‘‘evidenciam as interferências mútuas entre o avanço do conhecimento, a apropriação econômica e jurídica de seus resultados, o impacto da ciência na sociedade e o debate ético’’.

        Dá notícia, ademais, o ministro Sardenberg, de fato menos divulgado, mas também de capital importância, qual seja, a decisão, tomada em 20 de novembro último, ‘‘da Comissão Jurídica da Assembléia Geral das Nações Unidas de apoiar proposta de elaboração de um tratado internacional que proíba a clonagem de seres humanos por ser contrária à dignidade humana’’.

Carlos Fernando Mathias de Souza
Juiz do Tribunal Regional Federal da 1ªRegião
Professor Titular da Universidade de Brasília

Publicado no Correio Braziliense - 10/12/2001

Incluído em 13/12/2001 21:36:46 - Alterado em 20/06/2022 09:56:58





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