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Artigos sobre reprodução e aborto
Procedimentos invasivos fetais - Aspectos médico-jurídicos
A possibilidade de se diagnosticar no pré-natal as condições de saúde ou a presença de anomalias ou desordens genéticas fetais é cada dia mais viável.
Qualquer que seja o avanço de tais técnicas de invasão à cavidade uterina, entende-se que o procedimento mais seguro para o feto ainda é a sua permanência sossegada. Leve-se em conta também que o problema não está apenas no caráter invasivo do método e do seu potencial de risco. Assim, por exemplo, a existência de uma relação entre os níveis baixos de alfa-fetoproteina no soro materno e a presença de anomalias cromossomiais fetais a partir da 15ª semana de gravidez, pode se transformar num fator de risco, pois essa concentração de alfa-fetoproteina, além de ser diferente em cada semana da gestação e de apresentar índices diversos em cada caso, não existe uma concentração padrão de anomalia. Ela varia muito de acordo com a raça, a altura, a idade, o peso e a presença ou não de diabete na gestante, concorrendo para a imprecisão de caso a caso. Se for usada essa técnica indiscriminadamente, constitui-se um sério fator de risco. Assim, é preciso ficar bem esclarecido que só se deve aceitar a intervenção que possa melhorar a qualidade e as condições de vida da criança que vai nascer, atuando na de forma mais precoce ou imediatamente apões o parto. Por outro lado, não se pode deixar de criticar o sentido dessas novas tecnologias, quando consideradas tão-só como instrumento de especulação ou se os seus resultados de nada ajudam ao feto. Outra coisa que deve ser avaliada sempre é a possibilidade de o método apresentar um percentual alto de risco e, por isso, usá-lo apenas por motivos bem relevantes. Realizar qualquer desses exames simplesmente para responder a uma ou outra curiosidade é um ato que não encontra justificativa nos princípios éticos do exercício profissional médico. O mesmo não se dá, por exemplo, quando o exame tem em vista uma avaliação no sentido de favorecer o tratamento de uma má formação ou de uma doença fetal mais grave.
Aqueles que exercem suas atividades no campo da medicina fetal, sejam elas diagnósticas ou terapêuticas, entendem que o mais difícil em tudo isso são os problemas éticos e jurídicos levantados. A começar por avaliar se a perturbação fetal apresentada tem alguma possibilidade concreta de tratamento, levando em conta o estágio atual da medicina fetal e as condições instrumentais e humanas disponíveis. Depois, porque muitas dessas propostas, daí em diante, teriam por desdobramento a prática abortiva, prestando-se tais exames, por isso mesmo, como estímulo ou colaboração para o abortamento. Há até uma corrente que admite ser os exames pré-natais inúteis ou se servirem apenas para seleção de fetos. Outros, por fim, aceitam o exame, mas consideram o feto pessoa de direito e o médico como detentor de autonomia e consciência profissional, mesmo face ao pedido de aborto por parte da gestante ou da família. Em suma, todos os meios de diagnóstico pré-natais, mesmo considerados de algum risco, quando usados em favor da criança que vai nascer e estimulados por uma melhor qualidade de vida, são plenamente aceitáveis e não devem merecer nenhuma censura.
Há um consenso de que os programas de diagnóstico pré-natal sejam destinados apenas às mulheres grávidas incluídas em grupos chamados de risco, em virtude de seus aspectos econômicos face outras prioridades de saúde pública, de suas complexidades e de sua incidência de falsos resultados. É consenso também que esses testes sejam feitos em laboratórios de alta qualificação, com padronização rigorosa e acompanhamento de qualidade, estabelecendo-se critérios para evitar os falsos positivos e falsos negativos, afastando com isso o sofrimento ou a falsa expectativa dos familiares. É necessário ainda que se mantenha um rigoroso sigilo em torno dos resultados e que não se negue às mulheres grávidas o verdadeiro diagnóstico, preparando-a, da melhor forma, para receber a criança com defeito ou submetê-la ao tratamento pré-natal aconselhável. Tudo isso, no sentido de considerar o feto como um paciente - e, mais que isso, um paciente cirúrgico -, e não apenas um simples produto da concepção. Alguns procedimentos operatórios já são viáveis como a hérnia diafragmática congênita, a hidrocefalia, o hidrotorax e as uropatias obstrutivas.
A análise do aspecto amniótico, a obtenção de amostras de sangue fetal por visão direta, a retirada de pele do feto, o diagnóstico intra-uterino das hemoglobinopatias, entre tantos, são indícios indiscutíveis de que há um inestimável progresso no campo da medicina fetal. Isso nos põe na esperança de que, depois dos diagnósticos de muitas patologias fetais, tornou-se viável o tratamento nessa fase da vida, sempre no sentido de reduzir cada vez mais sua morbimortalidade. Parte das anomalias fetais são identificadas através da aminioscopia, amniocentese, embrioscopia, fetoscopia, biópsia da vilosidade corial, cordocentese e biópsia do embrião. Embora se apregoe tanto a total inocuidade desses métodos, vale dizer que tais procedimentos não deixam de trazer um certo risco ou preocupação, principalmente quando eles pouco ou quase nada trazem de benefícios para a futura criança.
Assim, ninguém discute a validade da amnioscopia como auxiliar no diagnóstico das condições fetais, nas gestações de alto risco, na confirmação da ruptura da bolsa, na suspeita de morte fetal. Mas, ninguém pode omitir algumas complicações, como sangramento, infecções do ovo, amniorrexe e desencadeamento do parto, complicações essas que sendo geradas por imperícia, imprudência ou negligência certamente trazem para o autor repercussões constrangedoras.
A punção da cavidade amniótica - amniocentese, no intuito de retirar pequenas quantidades de líquido âmnico ou introduzir substâncias na câmara, no esvaziamento do polidrâmio, na gestação de alto risco, na alimentação intra-uterina e no estudo do líquido, como informações de doenças congênitas, do mecônio e da maturidade fetal, é uma prática de indiscutível valia. Por sua vez, indicar-se a amniocentese com a finalidade meramente especulativa de determinar o sexo fetal, seja através dos 17-cetosesteróides, dos elementos da descamação epitelial ou da cromatina sexual, além de representar um certo risco, leva a crer que essa prática busca um resultado irrelevante se o seu propósito é apenas a curiosidade de saber o sexo da criança que vai nascer, quando se conhece outros meios de menor risco. Não se pode pensar da mesma forma se o exame tem a aplicação no tratamento das doenças ligadas ao sexo. Mesmo não existindo praticamente nenhum risco materno, as desvantagens desse método estão no fato de só lograr êxito seus resultados para o diagnóstico das desordens genéticas, a partir da 16ª semana de gestação, contadas a partir da última menstruação, para se obter o cariótipo fetal em aproximadamente 15 a 20 dias após o exame. As vantagens é que todas as aberrações cromossomiais fetais são diagnosticadas com precisão e que o risco de perda fetal é muito pequeno., embora possam surgir complicações como embolia-amniótica, descolamento prematuro de placenta, hemorragias fetais, parto prematuro, infecção intra-uterina e isoimunização do fator Rh. Por isso, recomenda-se, sob o prisma da responsabilidade profissional, optar sempre pelos exames não-invasivos que se mostram sem risco para a mãe e para o feto. Na análise da avaliação do risco-beneficio da aminiscopia deve ser levado em conta a indicação, o risco da técnica e a decorrência dos resultados. Por fim, sendo a nossa constituição genética, estruturada no DNA, idêntica em todos os tecidos do nosso corpo, pode-se utilizar uma grande variedade de células. Tal fato nos permite fazer a determinação pré-natal da paternidade, através do estudo de tecidos fetais obtidos pela amniocentese e pela biópsia de placenta e/ou de vilosidades coriônicas. Com o mesmo raciocínio de antes, essas técnicas só devem ser utilizadas quando seus riscos estiverem justificados, quando tiver evidente o interesse do feto por motivo de doenças ligadas à paternidade, não se servindo, portanto, para determinação de paternidade de interesse judicial, o que será feito, com todas as vantagens, após o nascimento da criança.
A observação do embrião, entre 7,5 e 11 semanas, por visão direta - embrioscopia, como elemento significativo no diagnóstico pré-natal de doenças hereditárias, hemoglobinopatias, hemofilias clássicas, doença granulosa crônica, algumas desordens metabólicas, ou como avaliação de anomalias anatômicas fetais congênitas e obtenção de amostras de sangue, também não deixa de ser proveitosas. Porém essa técnica, além de exigir uma especifica habilidade, há de ter uma indicação muito precisa, não só por ser uma manobra difícil, senão, ainda, pelos riscos que se apresentam bem elevados. Se esse procedimento for considerado simplesmente especulativo, sem nenhum proveito para a mãe ou para o embrião, constitui-se numa forma de periclitação e, consequentemente, uma exposição desnecessária de perigo, delito tipificado na legislação penal brasileira, independente de ter causado dano. Pode ser agravado pelo resultado lesivo, como infração culposa.
A fetoscopia, como método direto e invasivo, vem sendo deixado de lado entre os meios de diagnóstico, face a positividade dos resultados do ultra-som, porém justificado ainda em alguns casos como por exemplo na biópsia de pele fetal. De todos os métodos diagnósticos, parece-nos que esse é o que mais se aproxima de uma proposta em favor da qualidade de vida fetal e das possibilidades de contribuir com uma melhor forma de saúde e bem-estar depois do nascimento da futura criança.
A biópsia da vilosidade coriônica é um exame feito na placa corial, que vai dar origem à placenta e que tem a mesma constituição genética das células do feto. A grande vantagem desse exame na amostra do vilo corial é a de poder ser realizado já a partir da 9ª semana de gestação, permitindo, desde esta época, o diagnóstico de doenças metabólicas e cromossomiais, com resultados do exame após 72 horas. Mas tem também sérias desvantagens como o risco de provocar malformações fetais, abortamento, sangramento e a possibilidade de promover o oligohidrâmnío. Como os demais, esse exame deve ser feito na perspectiva de melhorar as condições de vida e de saúde da criança que vai nascer. Com esse propósito, não há o que censurar. Assim, por exemplo, se esse diagnóstico tem o propósito de promover uma terapia fetal por manipulação genética, por meio de técnicas do DNA recombinante, isso seria muito importante. Por outro lado, se tem como projeto apenas informar certas desordens genéticas que não são amparadas pelo aborto chamado eugênico, no mínimo é criar uma condição constrangedora. Desse modo, o grande in conveniente dessa prática diagnóstica é, quando diante da certeza de um resultado positivo, a impossibilidade de ser praticado um abortamento descriminalizado. Podemos até concordar com uma ampla discussão sobre o tema, apontando para uma possível política de prevenção de tais ocorrências. Mas não se pode, em nome disso, encaminhar as mulheres para a interrupção da gravidez, qualquer que seja a nossa concepção a respeito do assunto. É inadmissível aceitar-se o progresso tecnológico da medicina que não seja em favor da vida e, no caso em particular, da recuperação das crianças malformadas, mas que se preocupe simplesmente em eliminá-las.
A colheita de sangue fetal do cordão umbilical - cordocentese, deve ser feita sempre como um procedimento opcional e quando haja necessidade, entre outras, a de diagnosticar viroses e protozooses, e nunca utilizando-o como um método de rotina. Se o exame de sangue do cordão fetal for positivo para rubéola ou toxicoplasmose, indicando que ele adquiriu a infecção e, ainda, sem saber se o feto será bem ou malformado, pergunta-se: Esse seria um critério suficiente para a indicação do aborto? Quem teria o poder de decidir: a sociedade, a família ou os pais? Como deveria agir o médico diante de tal situação? Mesmo que o resultado seja negativo, isso não é sinal absoluto da não existência de infecção fetal, em virtude de resultados falso-negativos. O mesmo se diga quanto aos resultados positivos, porque nem sempre é indício absoluto de malformação fetal, pela existência de resultados falso-positivos. O resultado da análise do sangue fetal deve merecer a mesma avaliação, tanto para a rubéola como para a toxicoplasmose. Devem ser tratadas nas suas formas agudas, levando em conta apenas o tipo de medicação que deve ser indicado na grávida, face a possibilidade teratogênica de certos medicamentos. Por sua vez, o direito de decidir sobre o aborto, em nossa cultura jurídico-social, não pode ser de um ou de outro indivíduo isoladamente, mas do que avalia e conclui o legislador. Isso porque, em nosso caso particular, as malformações cabem num espectro muito variado de situações, e que elas podem ser físicas, psíquicas e bioquímicas, e algumas até que se manifestam depois do nascimento. Muitas vezes o limite entre o normal e o anormal é muito vago. Não é exagero afirmar-se que todos nós somos portadores de alguns genes que, em estado homozigótico, são capazes de produzir uma malformação. Por fim, resta-nos, como médicos, em consonância com os princípios éticos e jurídicos da cultura a que pertencemos - quando diante de resultados positivos que indiquem uma malformação, envidar nossos esforços para que as disponibilidades científicas e tecnológicas sejam sempre na direção da melhoria da qualidade de vida da criança que vai nascer. Finalmente, no que diz respeito à cordocentese, como forma de transfundir sangue, no interesse qualitativo e quantitativo da vida fetal, é de tanta valia que não pode merecer qualquer tipo de censura, pois isto é feito no propósito de contribuir com o bem-estar da criança que vai nascer. Até alguns riscos advindos dessa prática para o binômio mãe-feto devem ser relevados pela indiscutível e meritória proposta.
O sentido das técnicas de biópsia do embrião, antes de sua implantação no útero, tem quase sempre o propósito de interromper a gravidez em sua fase mais precoce, evitando, dessa forma, os constrangimentos criados pelos ciclos mais demorados de uma gestação. Em síntese, os embriões não comprometidos teriam sua transferência para implantação no útero materno e os demais sacrificados. Essas técnicas adquiriram notoriedade a partir da fertilização in vitro e da transferência de embriões, e com isso a possibilidade de não transferência de embriões afetados.
Pelo visto, se todos esses recursos mais modernos da tecnologia médica não forem utilizados em favor das melhores condições de vida e de saúde da criança que vai nascer, tudo isso não passa de uma coisa pobre e insignificante. É muito difícil justificar tamanho progresso se ele estivesse irremediavelmente ligado a um propósito cômodo e prático de eliminar vidas. Se é esse o sentido, a indiferença já tomou conta de todos. Cabe mea culpa universal.
Capítulo do livro Flagrantes Médico-legais IV Editora Universitária, PB - 1998
Incluído em 08/10/2001 20:30:14 - Alterado em 20/06/2022 12:30:27
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Idealização, Programação e Manutenção: Prof. Doutor Malthus Fonseca Galvão
http://lattes.cnpq.br/3546952790908357
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