![]() Procedimentos invasivos fetais - Aspectos médico-jurídicos |
![]() A determinação da paternidade e a sacralização dos exames de DNA |
![]() Intervenções fetais - Uma visão Bioética |
---|
Índice
Artigos
Artigos sobre reprodução e aborto
A determinação da paternidade e a sacralização dos exames de DNA
No Direito brasileiro o juiz detém a prerrogativa do livre convencimento, no julgamento dos feitos judiciais, inclusive no que tange ao exame das provas periciais. Destarte, nenhum exame pericial tem caráter absoluto, conquanto seja fator de convencimento quando aliado às demais provas constantes dos autos processuais.
No entanto, os testes genéticos de DNA vem provocando uma verdadeira revolução na prova judiciária de vinculação da filiação. A crescente evolução das técnicas empregadas na sua efetivação, aliadas a uma desmesurada propaganda realizada pelas empresas fornecedoras de insumos( kits de reagentes), além do marketing dos laboratórios de análises, determinaram a crença de que esta prova tem valor praticamente absoluto na perícia genética, tornando obsoletos os demais meios probantes, tradicionalmente utilizados em processos investigativos de paternidade (provas testemunhais, de semelhanças físicas e o princípio da posse de estado do filho).
Hoje, o Brasil apresenta-se com um número cada vez mais elevado de laboratórios clínicos que se dispõem a realizar testes de DNA com finalidades de investigação da paternidade: são cerca de cinqüenta laboratórios especializados, que divulgam os seus serviços na mídia e realizam algo em torno de 10 mil exames de paternidade por ano.
Para o juiz do Primeiro Tribunal de Alçada Civil do Estado de São Paulo, Dr. Antonio Carlos Malheiros, embora seja do magistrado a decisão da escolha do laboratório para a realização do exame, não se pode garantir que empresas de "fundo de quintal" não estejam sendo escolhidas. Isto porque, em nosso país não há, até a data presente, qualquer regulamentação que defina os padrões laboratoriais para a execução dos testes. Por outro lado, não é difícil abrir um laboratório nesta área, bastando que se adquira equipamentos da ordem de 70 mil dólares e se contrate um especialista em biologia molecular para a interpretação dos resultados.
O mercado para esse tipo de exame está estimado em 10 milhões de reais, o que é extremamente promissor para um país, como o Brasil, onde o nome do pai não figura no registro de nascimento de 30% das crianças. É exatamente por isso que o número de laboratórios especializados em testes de DNA cresceu mais de dez vezes nesta década, provocando uma competição comercial que fez cair o preço do exame, em média, de 1.200 reais para cerca de 500 reais ou menos. Estes laboratórios oferecem uma metodologia de confiabilidade no exame investigativo de paternidade de um erro em cada 10 mil testes.
Conquanto a prova pericial de investigação de paternidade tenha se deslocado, de modo praticamente absoluto, para os testes de DNA, ao delegar à ciência um papel decisivo e perigosamente restritivo de declarar a verdade biológica, cabendo ao juiz tão somente homologá-la, já se fazem ouvir vozes discordantes daquilo que tem sido denominado de "a sacralização da prova de DNA", como denomina Rolf Madaleno, professor de Direito de Família, da Universidade Vale dos Sinos, do Rio Grande do Sul.
Para ele e outros estudiosos da matéria o direito pátrio atual, mesmo consagrando a significativa liberdade probatória e dispondo o magistrado do instituto do livre convencimento da prova pericial, nota-se uma tendência em se confiar cegamente na perícia do DNA, determinando efeitos deletérios sobre os outros meios legítimos e lúcidos da prova judiciária. Maria Celina Bodin de Moraes critica a "certeza científica" com que se tem admitido o exame de paternidade pelo DNA que, segundo ela, só encontra um único obstáculo hoje, qual seja, a recusa do suposto pai em fornecer material para realização dos testes.
Com efeito, já é possível encontrar doutrina alentada em decisões jurisprudenciais recentes alertando para os riscos do "culto à prova dos marcadores de DNA". Explicita o eminente desembargador Gischkow Pereira, em decisão prolatada numa apelação cível, que "já é hora de se repensar na verdadeira sacralização e divinização do exame de DNA, alçado à fórmula milagrosa de resolução de todos os problemas pertinentes à investigação dos vínculos de filiação".
Por outro lado e com igual posição, Anete Trachtenberg, em "O poder e as limitações dos testes sanguíneos na determinação da paternidade" (Revista Ajuris, Porto Alegre, n° 53, pp 324/333), ressalta a falibilidade dos testes de DNA porque os laboratórios carecem, no geral, de dados estatísticos tão caros e próprios da população brasileira, composta por uma raça mista, de características singulares, divergentes dos levantamentos estatísticos realizados por outros povos, como os Estados Unidos e europeus. E conclui afirmando que "como é razoável a quantidade de erros cometidos, já não é mais possível aceitar esta confiança cega dos juízes, promotores e advogados nos testes de DNA, que não podem ser considerados conclusivos, apenas servindo como mais um elemento probatório".
Rolf Madaleno em "A sacralização da presunção na investigação da paternidade" ( in "Síntese, Doutrina e Comentários", julho/99) releva que embora sejam elevados os percentuais de inclusão parental obtidos em perícias realizadas em laboratórios cientificamente capacitados, os seus resultados serão sempre discutíveis, por não serem absolutos.
Na atualidade todos os laboratórios creditam 99,99% de probabilidade na perícia genética e alguns tribunais têm confiado exclusivamente no perito e nos informes e estudos por ele fornecidos, sem qualquer confrontação oficial. Esta necessária confrontação não significa colocar em dúvida cada um dos laboratórios envolvidos com os testes judiciais de DNA e que se apresentam perfeitamente aparelhados para apurar a parentalidade das pessoas. Ao contrário, pela certeza com que os laboratórios se apresentam quando oferecem os seus exames de determinação da paternidade pelo DNA, é necessária uma maior cautela diante da inequívoca proliferação de laboratórios e da falta de critérios definidos e seguros para o seu credenciamento e a sua fiscalização. É com mais razão, ainda, que o rigor probatório deve ser exigido. É por conceber a absolutização deste tipo de prova que está se sacramentando a presunção, nos casos em que o denunciado/réu se recusa a submeter aos testes de DNA.
Afinal, como atribuir este caráter vinculante à prova biológica, quando impera em nosso sistema processual o princípio da livre apreciação das provas?
A prova pericial e a sua verdade científica não podem, pois, se tornarem dogmas, a menos que sejam escoimadas todas as incertezas (mínimas que sejam) e as inseguranças provocadas pela ausência de confiabilidade e credibilidade metodológicas usadas por laboratórios genéticos, cujos resultados não são objetos de confrontação por peritos especializados.
Professor de Medicina Legal e
Reitor da Universidade Estadual de Montes Claros
Incluído em 24/09/2001 23:23:14 - Alterado em 20/06/2022 13:09:46
![]() Procedimentos invasivos fetais - Aspectos médico-jurídicos |
![]() ![]() ![]() ![]() A determinação da paternidade e a sacralização dos exames de DNA |
![]() Intervenções fetais - Uma visão Bioética |
---|
10593
dias on-line ![]() ![]() |
Idealização, Programação e Manutenção: Prof. Doutor Malthus Fonseca Galvão
http://lattes.cnpq.br/3546952790908357
|